Um vereador da Câmara de Lisboa compra um edifício por 350 mil euros e, depois de fazer obras de recuperação, põe-no à venda por 5,7 milhões. Um belo negócio, sem dúvida. Mas não seria um assunto de interesse meramente local? Nada disso. Até ver, tornou-se o grande caso do verão.
O aspeto mais evidente é que a conduta de Ricardo Robles entra em chocante contradição com o discurso do partido e do próprio vereador, que ainda na véspera de estalar o escândalo se tinha insurgido, via redes sociais, contra a especulação imobiliária. Ou seja, Robles tentou lucrar usando os mesmos métodos que tanto criticava.
Mas há algo talvez ainda mais terrível: é que o ex-vereador milita num partido da extrema-esquerda. E, ao contrário do ‘centrão’ – que é visto como o meio onde proliferam as negociatas – a extrema-esquerda era considerado por muitos o último santuário do idealismo. Enquanto a direita era conotada com o dinheiro, com os capitalistas selvagens, com os privilegiados e com os negócios duvidosos, a esquerda era o reino puro e casto dos ideais.
O nome de Mark David Chapman pouco dirá à maioria dos portugueses. Ele foi o homem que, a 8 de dezembro de 1980, disparou cinco tiros contra John Lennon. Questionado por que o fez, explicou como se sentira desiludido quando descobriu que Lennon, embora nas suas belas canções falasse sobre um mundo sem propriedade privada, andava num Rolls Royce personalizado e tinha um apartamento na avenida mais cara de Nova Iorque.
No caso de Robles, também são aqueles que acreditavam genuinamente que o Bloco era um partido de ideais puros que se sentem mais magoados e desiludidos. O poder de atração do dinheiro insinua-se por todo o lado. E até no seio da extrema-esquerda há quem não lhe seja imune.