Pedem-me às vezes opinião sobre “remédios para os problemas da justiça”, nomeadamente para as questões costumeiras (um terço de verdade, um de truísmo, outro de ladainha) da demora, dos megaprocessos, da desconfiança, etc. As questões são pertinentes, mas as respostas demorariam dias, anos, talvez tantos quantos os que no séc. xvi tomou o Concílio de Trento, o que quis reformar em contrarreforma. Não tenho remédios, muito menos sou guru, limito-me a enunciar temas de debate, e um deles é o chamado princípio da oportunidade em processo penal, que já referi várias vezes e em diferentes fora. Penso que é uma questão que temos de discutir, profunda e seriamente, ou seja: queremos manter a legalidade em que toda a suspeita em processo penal se investiga, ou quem está encarregado de investigar pode/deve escolher? É a velhíssima questão de legalidade versus oportunidade, sendo certo que entre nós tem vigorado essencialmente a primeira.
Eu não estou seguro da resposta e tenho em mente os argumentos a favor e contra uma e outra solução, sobre as quais académicos e práticos debatem há muito. A questão é difícil, e é fundadora e de regime, sendo certo que o que me incomoda não é dificuldade da matéria, mas sim uma espécie de reação epidérmica de negação da própria discussão, quase como se o princípio da oportunidade fosse um tabu. Já me aconteceu ouvir coisas liminares como: “Ah, isso é muito perigoso.” Ou: “Isso para a nossa maneira de ser / ou para a nossa tradição não serve.” Mas eu pergunto, quase com singeleza de criança a descobrir o mundo: mas porquê? Não podemos pelo menos discutir com profundidade e largueza? E que razões ditam que não se possa? E o que é isso da tradição ou da maneira de ser? Qual é a questão? É escolher? Ou é prestar contas sobre as razões da escolha? Sim, porque escolher só serve se houver clara e fundada prestação de contas, e escrutínio.
São questões que julgo legítimas e pertinentes. Se outras novidades, modernidades e até importações nos parecem servir, porque não esta? É melhor o fenómeno dos megaprocessos, em que se investiga a agulha, o alfinete, a linha, o ponto, o pano, o corte, o modelo, o forro e tudo o mais que aparece? É melhor a ladainha sobre a falta de meios? É melhor resolver o que é mega com superficialidade em vez de fatiar, escolhendo, e aprofundar? Os meios só crescem, podendo, em progressão aritmética, mas os problemas crescem em progressão geométrica. Isto é assim tão difícil de perceber? Qual a solução melhor, não sei bem. Só sei que me parece que o tema merece discussão e estranho a repulsa que muitas vezes encontro quando lanço ou refiro o tema. Que diabo, o princípio da legalidade não é nada que tenha sido decretado em concílio, e mesmo alguns decretos e diplomas tridentinos só resistiram séculos, e foram revistos ou naufragaram. E até já vi, em processo penal, coisas mais importantes do que a legalidade a ceder (às vezes, mal ou precipitadamente). Porquê tamanho e tão arreigado dogma sobre este tema?
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