Vamos lá falar de excesso de peso


Persiste a imagem de que quem tem excesso de peso é um totó, não encontra o amor, não tem vida sexual, não tem sucesso profissional, é desleixado com o seu aspeto e por aí adiante


Não, hoje não escrevo sobre o peso excessivo que o Estado tem nas nossas vidas e principalmente na nossa economia. Escrevo antes sobre a série do Netflix “Insatiable”, que nos Estados Unidos da América já conta com uma petição superior a 100 mil assinaturas para que não chegue sequer a estrear-se (supostamente vai para o ar dia 10 de agosto).

Para quem não está por dentro do tema, segue um pequeno resumo: a série retrata a vida de uma rapariga americana, estudante do liceu, chamada Patty e que é interpretada pela atriz Debby Ryan, que basicamente tem a sua vida transformada num autêntico pesadelo por ter aquilo que a sociedade convenciona como excesso de peso.

Quem tiver curiosidade pode facilmente encontrar o trailer no YouTube. Os clichés são os do costume: ela é gozada em público porque tem excesso de peso, ela não perde a virgindade como as amigas porque tem excesso de peso, até que… levou um soco. Sim, isso mesmo, levou um soco na cara, teve de ser operada ao maxilar e, supostamente por esse motivo, ficou magra. Ficou magra e, segundo nos sugere este mesmo trailer, irá agora vingar-se do resto da escola.

Então vamos lá fazer uma análise racional desta questão: o Netflix pode produzir toda a trampa que quiser. Por mim, nada contra. No entanto, o Netflix devia ter a decência suficiente para não vulgarizar o bullying e para não contribuir ainda mais para a discriminação dos adolescentes que têm excesso de peso. Em suma, não é uma questão legal, é acima de tudo uma questão de decência.

Persiste na nossa sociedade a imagem de que alguém que tem excesso de peso é alguém que abarca uma série de outros problemas: é um totó, não encontra o amor, não tem vida sexual, não tem sucesso profissional, é desleixado com o seu aspeto e por aí adiante. Estes preconceitos são constantemente alimentados pelos media, pela classe médica, pela publicidade, pela moda e também, ora aí está, pelo entretenimento.

É surpreendente que em pleno séc. xxi este preconceito prevaleça na nossa sociedade. Será que já pararam para olhar para trás e perceber que o jeitoso que estudou convosco no “9.o B” e que namorava com a gostosa do “8.o A” agora é empregado da limpeza no supermercado lá do bairro, enquanto ela trabalha nas caixas de pagamento do mesmo local? Por outro lado, já pensaram que o gordinho do “9.o C” é agora CEO daquela startup que apareceu na capa da “Forbes” e que namora com a feia que era do “10.o D” mas que foi premiada pelas suas descobertas no combate à hepatite? É a vitória dos nerds, tantas vezes gordinhos.

Por várias vezes, já tive, nesta mesma coluna, a caixa de comentários invadida por gente chateada com a vida e que gosta de me vir chamar gordo, Ou seja, por entre tantos adjetivos engraçados que se costumam chamar às pessoas de direita como eu, estas bestas preferem chamar-me gordo. Mas que raio? Qual é o sentido disto? Já olharam para o vosso Fernando Rosas?

Houve até um dia em que escrevi sobre os atrasos com que os médicos do privado gostam de nos presentear no horário de atendimento das consultas. Eis senão quando tive novamente a minha caixa de comentários invadida, não só pela malta do costume, mas também por um bando de “senhores doutores” revoltadíssimos com o meu discurso – até aqui tudo bem, mas agora pasmem: tive um médico a dizer-me que eu era gordo e que por isso nem direito a SNS deveria ter. Sim, isso mesmo, foi um médico – o que prova que este preconceito é absolutamente transversal a toda a sociedade.

Acho que está na hora de olharmos mais para nós próprios antes de apontarmos o dedo aos outros. Mas está principalmente no momento exato de pararmos de incentivar e vulgarizar o bullying. Por esse mesmo motivo, a Netflix não deveria sequer chegar a estrear esta série.

 

Publicitário