Nunca nenhum investigador tinha conseguido perceber a mensagem deste misterioso pedaço de papiro, reduzido em tamanho mas não em atenções. Escrito em ambos os lados, em espelho, era considerado indecifrável desde o século XVI, quando integrou a coleção de Basilius Amerbach, um advogado da Basileia. Mas agora uma equipa da Universidade de Basileia pôs fim ao mistério.
Com recurso a luzes ultravioletas e de infravermelhos, a equipa liderada por Sabine Hubner, professora de História da Antiguidade naquela universidade, descobriu que, afinal, o papiro não era apenas um, mas sim vários colados uns aos outros, criando a ilusão de estar escrito na frente e no verso. Para separar as folhas, a equipa recorreu a um especialista em restauro de papiros, que se deslocou a Basileia, conseguindo dar resposta à pergunta que tantas dores de cabeça tem dado a quem tenta solucioná-la.
Ultrapassado esse obstáculo, os investigadores fizeram então “uma descoberta sensacional”, nas palavras de Sabine Hubner. O papiro que tinham em mãos tinha não apenas um texto, mas dois: um texto médico e um literário.
Segundo a equipa, o texto médico descreve o fenómeno da apneia histérica e, apesar de não terem conseguido confirmá-lo, os investigadores acreditam que a autoria pertença ao médico romano Galeno – a outra hipótese em cima da mesa é ser um comentário de alguém ao seu trabalho.
Mas a equipa não ficou menos entusiasmada com a descoberta do texto literário. “A maioria dos papiros são documentos como cartas, contratos e receitas. No entanto, este é um texto literário, e é muito mais valioso”, disse Sabine Hubner.
Uma coleção de 65 papiros A descoberta feita pelo grupo da Universidade da Basileia não foi isolada. Há já três anos que a equipa dirigida por Sabine Hubner está a estudar papiros, digitalizando-os, transcrevendo-os, anotando-os e traduzindo-os. Os papiros em causa pertencem à coleção da universidade, que a iniciou em 1900. Hoje, conta com um total de 65 papiros em línguas antigas e que até ao início deste projeto nunca tinham sido estudados.
O projeto está a chegar ao fim e a publicação dos resultados está prevista para os primeiros meses de 2019. Mas o trabalho de Hubner não termina aí: a investigadora quer disponibilizar a coleção digitalizada em bases de dados internacionais, uma vez que, dada a sua antiguidade, os papiros chegam apenas em fragmentos e existe a possibilidade de outras partes de um mesmo papiro estarem em qualquer outro local do mundo. “Os papiros são todos parte de um contexto mais alargado. As pessoas mencionadas num papiro da Basileia podem aparecer também noutro papiro, guardado por exemplo em Estrasburgo, Londres, Berlim ou outros locais. São as oportunidades que o digital nos possibilita que nos permitem voltar a juntar as peças do puzzle para formar o quadro completo”, defende Hubner.