New Spain. Toda a Espanha que não existe

New Spain. Toda a Espanha que não existe


A estreia nacional de “Diamantino”, de Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt, e a inauguração da habitual exposição na galeria Solar, fizeram a abertura do 26.º Curtas Vila do Conde. “New Spain” reúne obras de sete artistas espanhóis unidos pelo facto de não lhes servirem as fronteiras da velha Espanha


Nem velha, nem nova. Espanha é um lugar que não existe. Manifesto que o galego José Manuel López, presença habitual no Curtas Vila do Conde e convidado para a curadoria da exposição desta edição na Solar – Galeria de Arte Cinemática, não teve de procurar. Manifesto que se faz sozinho pela constatação de que todos os artistas espanhóis convidados viviam ou trabalhavam fora de fronteiras.

“A ideia era a exposição contar com vários artistas com tradição de colaboração com o festival”, conta José Manuel López, que colabora atualmente com o MARCO – Museo de Arte Contemporánea de Vigo, e o Centro Galego de Arte Contemporánea, de Santiago de Compostela, à entrada de “New Spain”, inaugurada no sábado, na abertura do 26.o Curtas Vila do Conde, horas antes de, no Teatro Municipal, “Diamantino”, de Gabriel Abrantes e Daniel Schmidt, fazer a sua estreia nacional, depois do Grande Prémio da Semana da Crítica em Cannes, na sessão de abertura do festival. 

Carla Andrade, Inés García, Laida Lertxundi, Lois Patiño, Natalia Marín e Samuel M. Delgado e Helena Gíron. “Todos eles trabalham a partir de uma base muito comum no cinema galego e também no cinema espanhol: a paisagem.” Mas era preciso ir além disso. “Queríamos ir um bocadinho além disso, mas não queríamos também fazer uma exposição declarada e explicitamente política, tendo ainda assim presente que é impossível hoje em dia falar de Espanha sem que isso se converta em algo político – e que, já dizia Godard, todo o cinema é político.”

De “New Madrid”, ensaio em videoinstalação de Natalia Marín sobre a utopia e o fracasso da cópia numa viagem pelas oito cidades a que, em oito dos seus estados, os norte-americanos chamaram Nova Madrid, à “Nueva España” com que enchia a boca a elite da Espanha colonial quando o império de Madrid se estendia a boa parte da América foi um passo. “Pareceu-nos o título perfeito para ligar todas as questões: o lado político, a questão colonial, a Espanha do presente. Há cinco séculos que a velha Espanha já tratava de se refundar, de se chamar nova, e hoje estamos no mesmo.” Na utopia de “uma nova Espanha, progressista, do séc. xxi. Estamos na Europa, somos uma monarquia ainda, não mudou grande coisa. A História repete–se, como costuma dizer-se.”

Por estas seis obras que vão buscar imagens a Marrocos (“Fajr”, de Lois Patiño, numa adaptação para o espaço expositivo, em três ecrãs, da curta exibida na edição passada do Curtas), às paisagens sul-americanas descritas em quechua (“El Paisaje Está Vacío Y El Vacío Es Paisaje”, de Carça Andrade), a todas as Novas Madrid dos Estados Unidos, à Áustria de Franz Schubert (“Winterreise”, de Inés García), apenas uma de Espanha e do seu centro, Madrid, que não será mais do que uma múmia de um museu. Uma múmia importada das Canárias, “a última terra que os marinheiros de Cristóvão Colombo pisaram antes de chegarem à América”, território convertido em laboratório de experimentação dos modelos sociais a exportar para o “novo mundo” prestes a ser conquistado, registada por Samuel M. Delgado e Helena Gíron para “No Hay Tierra Más Allá”. Tradução de non terrae plus ultra, do latim, lema do Estado espanhol na sua fundação. 

“Esta ideia de unidade que vem da velha ideia do antigo reino, da velha Espanha, precisamente, é quase como o mistério de Deus, não? Há muitas identidades diferentes em Espanha. Continua a haver uma tentativa centralista, mas o último ano serviu para mostrar precisamente que essa ideia de Espanha não existe. Espanha não tem uma identidade. O desafio independentista, como dizem os políticos de Madrid, toda a corrupção sistémica nos partidos políticos, tudo isso não faz mais que corroborar a ideia de que Espanha não existe – não no sentido em que existem os Estados Unidos, um país forte em que os cidadãos se identificam com a bandeira, com o hino. Isso, em Espanha, não existe.”

A acompanhar a exposição (todos os dias na Solar, em Vila do Conde, durante o festival e depois, até 1 de setembro), um programa paralelo. Com “Muchos Símbolos y Ningún Significado”, uma viagem às paisagens da ficção científica espanhola contemporânea em duas sessões de cinema com curadoria de Gonzalo Pedro Amatria, programador do Festival de Locarno (quarta-feira às 17h e quinta às 23h30); seis curtas metragens de Laida Lertxundi numa sessão programada pela programadora e vice–diretora da Lux Films María Palacios Cruz (sexta-feira às 17h); e ainda “Even Silence is Cause of Storm”, uma performance de cinema expandido da dupla Adriana Vila e Luis Macías (sábado às 20h30).