Geringonça. Uma maioria de esquerda firme, mas pouco

Geringonça. Uma maioria de esquerda firme, mas pouco


António Costa teve de suster danos por causa de Santos Silva. O primeiro-ministro “não tem porta-vozes”, disse Manuel Alegre ao i. No lado da esquerda, a opinião é que não está tudo bem e o Bloco quer voltar a discutir reestruturação da dívida


O primeiro-ministro abre hoje o debate de 226 minutos sobre o Estado da Nação com a certeza de que o último ano da legislatura será o mais difícil: as alterações laborais, a negociações difíceis com os professores e o estado da saúde, com várias demissões nos hospitais, são algumas dessas dificuldades. O secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos, afirmou ontem, citado pela TSF, que a “ maioria está firme” e que o PS dispensa “a mãozinha” do PSD. António Costa já o tinha dito de outra forma: “O PS não é a carochinha à procura do João Ratão”, recusando a ideia de um bloco central, perante militantes socialistas em Lisboa.

Os partidos da esquerda são os parceiros do PS, mas tanto o PCP, como o BE como Os Verdes consideram que nem tudo são rosas. Acresce-se que o PS enfrentou ontem mais um momento de tensão, desta vez dentro do próprio governo.  Uma entrevista ao “Público” e à Renascença do número dois do governo, Augusto Santos Silva, colocou o dedo na ferida sobre eventuais fragilidades do acordo à esquerda. Qualquer entendimento futuro terá de ser aprofundado com a política externa e europeia. Nada mais preocupante para o primeiro-ministro que teve de desautorizar o ministro.

“Este é o grau de compromisso possível com a convergência que alcançámos”, declarou Costa também ao “Público”, assumindo o incómodo pelas palavras de Santos Silva: “Ora o que corre bem não deve ser perturbado nem interrompido”, avisou o também secretário-geral socialista, numa tentativa de colocar um ponto final num caso que poderia contaminar o debate de hoje.

Horas antes, o histórico militante do PS, Manuel Alegre, tinha contestado as palavras do ministro dos Negócios Estrangeiros, vaticinando que as condições colocadas por Santos Silva representavam “o óbito da geringonça”, citado pelo “Expresso”. Ao i, Alegre considerou que o caso estava encerrado porque Costa falou e esclareceu o que devia. “Parece-me que é uma opinião pessoal do ministro. O assunto está esclarecido. O primeiro-ministro não tem porta-vozes”, defendeu Alegre, numa clara subalternização do número dois do executivo. Para o antigo candidato presidencial, o “segredo dos acordos foi deixar de lado o que era inconciliável”. E a política externa ficou de fora, bem como a europeia.

Isto, apesar do Bloco de Esquerda querer voltar ao problema da restruturação da dívida. Um dado que obrigará Costa a explicar a sua visão no debate do Estado da Nação, mas também deverá ter efeito nas negociações para o Orçamento do Estado.

Sobre o futuro dos acordos à esquerda, o socialista João Soares considera que não só de devem existir como serem mais amplos. “Na minha opinião deve ser aprofundado. O tango dança-se a dois, se quiser dança-se a quatro. Não acredito que os parceiros não estejam satisfeitos com o que têm sido os resultados”. Para o socialista, a ideia é que se inverteu a marcha da austeridade. O deputado defende mesmo que se o PS tiver uma maioria absoluta deve prosseguir com esta fórmula de negociação e entendimentos à esquerda. O tempo e o voto dirão.
 
Balanço positivo, mas crítico À esquerda, o PCP faz um balanço positivo em relação às soluções mais urgentes que o PS implementou mal entrou no governo, no entanto, ressalva João Oliveira, o PCP deixa claras críticas: “Não deixamos de fazer o balanço crítico relativamente a tudo o que falta, tudo o que está por fazer, em particular em função das opções que o PS tem feito, de travar ou não levar mais longe medidas que podiam ter outro alcance e dar outra resposta aos problemas estruturais do país”, declarou, citado pela Lusa.

O BE, pela voz de Pedro Filipe Soares, sustenta que “é importante discutir, neste momento, os estrangulamentos da nação, que já vêm de trás, mas continuam a ser os pontos fulcrais que nos restringem as escolhas democráticas”. Entre eles está a restruturação da dívida e o resultado do trabalho desenvolvido entre o BE e o PS sobre o tema. Os bloquistas querem aproveitar o trabalho feito para que possa ser aplicado até ao final da legislatura, apurou o i.

Heloísa Apolónia, do PEV, afirmou ao i que se o país melhorou com a esquerda, de orçamento em orçamento, mas não está tudo bem. “Os Verdes encontram muitas falhas ao nível dos serviços públicos e entendemos que há a necessidade de maior investimento nos serviços públicos, designadamente na área da saúde, na área da educação, na área dos transportes”. Para o parceiro mais pequeno dos acordos à esquerda, o PS “continua com a obsessão do défice” e isso é um problema. Mas os Verdes prometem continuar a puxar o governo para o que consideram justo, via negociação orçamental.

No governo, vai-se insistindo que o país está melhor do que em 2015. A porta-voz socialista, Maria Antónia Almeida Santos, refere ao i que “ houve de facto uma evolução, a reposição quase total dos salários, a economia a crescer, a confiança dos investidores”. Para a deputada, o país veio de um período difícil e as exigências são muito grandes. E reconhece que existem dificuldades como na saúde, sobretudo porque é um problema estrutural. “Apesar de haver problemas, muitos deles são estruturais. A saúde tem números fantásticos, temos mais profissionais, mais consultas. Acho que também é uma questão de perceção. Continua a subsistir alguma perceção que as coisas não estão bem”.
Sobre a firmeza da maioria, Maria Antónia Almeida Santos prefere subscrever o raciocínio do primeiro-ministro e acrescentar mais alguns dados: “Não acredito que a um ano e tal [do fim da legislatura], com o panorama que já traçámos, os parceiros fossem criar uma crise para deitar o governo abaixo”. Até porque seriam penalizados, considerou a deputada socialista.

António Costa já avisou que vai “para este debate com confiança, que esta solução prove até ao final que foi um sucesso e por isso merece ser repetida até às próximas eleições”.