Ricardo Acto. “Já sabíamos que tínhamos de parar tudo para ver o jogo”

Ricardo Acto. “Já sabíamos que tínhamos de parar tudo para ver o jogo”


O Rock in Rio vai parar para ver o jogo de Portugal com o Uruguai. O vice-presidente de operações do festival esclarece que este cenário já entrava nas contas da programação e, por essa razão, foi só aplicar a solução: todos os ecrãs do recinto vão transmitir o encontro dos oitavos-de-final do Mundial


Vice-presidente de operações do Rock in Rio, Ricardo Acto é um dos principais responsáveis pelo controlo de toda a logística deste festival. Marido de Roberta Medina, promotora do evento, juntou-se à equipa como estagiário em 2006, altura em que Portugal acolheu a segunda edição do RIR, e recorda a evolução do evento em solo português ao longo destes últimos 12 anos. Maior, mas sobretudo melhor é o lema da marca que promete expandir-se para mais cinco países num futuro próximo. Enquanto se aguardam novidades, o foco está, porém, no presente, que tem toda a sua ação a acontecer no Parque da Bela Vista. O Rock in Rio Lisboa está atualmente com 50% do loading cumprido depois de no passado fim-de-semana terem decorrido os dois primeiros dias do festival, mas abre novamente hoje as portas para voltar a dar música. Amanhã, no último dia, o show estava reservado para Ivete Sangalo e companhia, mas a Seleção nacional entrou em campo. Contudo, não foi preciso levantar poeira, já que a solução para este problema já estava há muito pensada, explica nesta conversa com o i.

O que faz um vice-presidente de operações?

Acima de tudo tem a responsabilidade de pôr de pé a Cidade do Rock. A função principal é preparar a equipa, as estruturas e toda a operação que traz o resultado final, que são estes quatro dias em Lisboa.

Quanto tempo é necessário para preparar um festival como o Rock in Rio?

Nós hoje já temos uma rotina grande, a nossa preparação é constante. Por exemplo, acabamos o festival aqui, mas já a saber o que temos que fazer de diferente na próxima edição, mais do ponto de vista de serviços. Depois temos de receber os inputs e criar em conjunto com as outras áreas tudo o que vamos apresentar de novo. O projeto aqui de Lisboa acaba em setembro deste ano e, a partir daí, começamos a preparar imediatamente o lançamento da edição seguinte. Já com os inputs, com os dados todos desta edição, falar com os patrocinadores, tudo! É um trabalho que nunca para. Temos várias fases, se a equipa começa com um núcleo de cerca de 25 pessoas, depois aumenta, aumenta, aumenta, até perto de duzentas pessoas. E isto estou  a falar apenas das operações. Depois existem os subcontratados, segurança, limpeza… Só na nossa área chega a atingir as 5000 pessoas. É uma grande dimensão. Logo a seguir anunciamos, começamos a preparar projetos, contratações e em janeiro estamos na fase da operação.

O primeiro RIR em Portugal acontece em 2004, o Ricardo junta-se à equipa em 2006 [na segunda edição]. Quais são as principais alterações que verifica nestes 12 anos?

Começei em 2006 como estagiário… muitas, muitas! Nós colocamos a fasquia muito alta, estamos em constante evolução. Fomos o primeiro festival a fazer casas de banho ligadas à rede, por exemplo.  Diretamente ligado aos espetáculos, o palco mundo tem hoje o dobro da área e da carga para conseguir corresponder aos shows. Por isso, da limpeza à inovação – como o desenvolvimento de tecnologias, que nós próprios fizemos para dar apoio ao festival, às plataformas que criámos que geram todos os incidentes – a evolução da operação é gigante. E todos os anos conseguimos fazer maior e melhor porque vamos sempre evoluindo em todos os detalhes possíveis.

No passado sábado, primeiro dia do festival, receberam 71 mil pessoas e no segundo, no domingo, 85 mil. O centro de operações sofre alguma alteração?

Obviamente que temos de fazer pequenos ajustes e há uma diferença se forem 70 ou 85 mil pessoas. No sábado estiveram 71 mil pessoas, mas várias chegaram só para ver o último artista enquanto no domingo eram 85 mil mas parece que toda a gente chegou ao mesmo tempo para assistir logo ao Agir [primeiro concerto do palco mundo] e isso faz uma grande diferença. Temos que estar preparados mais cedo, são mais horas dentro da Cidade do Rock. Toda a operação é sempre dimensionada e ajustada de acordo com a expectativa do público e do seu comportamento que varia de dia para dia.

Quais são as grandes diferenças entre o público português e o brasileiro? 

O público português acaba por ser mais tranquilo. Mesmo em dimensão como aconteceu no domingo. É engraçado porque são diferentes. Temos o estudo do Brasil e o estudo de Portugal. O público português acaba por ser mais tranquilo e o brasileiro é muito mais emotivo, ou seja, no Brasil, o público consegue transmitir uma alegria e emoção muito maior dentro da Cidade do Rock. Por outro lado, em Portugal e, apesar de o público ser muito mais tranquilo, existem ainda uma série de questões, por exemplo no que toca à acessibilidade, a que o português ainda não está habituado, julgo que foi algo descurado por eventos nos últimos anos. Então, por mais que tentemos impôr mais organização para melhorar, acaba por não dar porque aqui em Portugal as pessoas ainda estão muito numa de ‘dar um jeito’ [risos]. Aqui, toda a gente tenta trazer o carro o mais próximo possível, ninguém vai para a praça de táxis porque a maioria quer apanhar primeiro do que os outros, e isso causa alguns constrangimentos.

Como é que isso se gere?

Não é fácil, e por isso é que eu acho que só se mudará ao longo dos anos, porque é mesmo uma questão de educação. Como no Rio [de Janeiro] o plano de organização acaba com as autoridades e forças de segurança são muito mais exigentes, faz com que o público tenha mesmo de respeitar. Aqui, como há uma certa liberdade, não se consegue impor tanto isso. As autoridades aqui não têm tanto esse papel de impor e na hora de sair acaba por não se verificar aquilo que acontece no Brasil, cuja saída é bem mais organizada.

Disse que o público brasileiro é mais emotivo que o português. Os artistas também dão esse feedback? 

No Brasil dão-nos o feedback que o público é muito emotivo, mas os artistas gostam muito do nosso público, principalmente porque cantam as músicas do princípio ao fim e conseguem transmitir uma sincronia com o artista. O melhor exemplo aconteceu agora com Bruno Mars. Um repórter inglês escreveu que o momento em que o Bruno Mars pôs o braço no ar [a abanar de um lado para o outro] parecia ter sido ensaiado. Toda a gente estava sincronizada e deu o exemplo de que se fosse noutro país nem toda a gente estaria com o braço no ar e muito menos para o mesmo lado. É impressionante, o público entrega-se ao show. Aqui, as pessoas concentram-se e envolvem-se e isso também é muito positivo.

É fácil tomar uma decisão como a que o RIR tomou relativamente à alteração dos horários de concertos para que o público presente possa assistir ao jogo de Portugal nos oitavos-de-final do Mundial2018?

Fácil não é, existem muitos contratempos. Mas a partir do momento em que já sabíamos que essa possibilidade poderia acontecer, avisamos previamente todos os contratados. Tivemos de ajustar os horários dos shows, avisar as autoridades, estender horários para o caso de haver prolongamento, e portanto ainda é uma roda grande que temos de fazer rolar. Não só com os artistas mas também com serviços, técnicos, público, transportes. No entanto já tinhamos feito esse estudo previamente e a partir do momento em que se concretizou, foi aplicado. Já sabíamos que tínhamos de parar tudo para ver o jogo. Vamos transmitir em todos os ecrãs da Cidade do Rock.

Como foi a reação dos artistas?

Foi interessante porque nas primeiras horas em que se ficou a saber, já tinhamos artistas portugueses, patrocinadores, público, todos a enviarem mensagens preocupados com o jogo. Todas as atuações do palco Music Valley são com artistas portugueses que também querem ver o futebol [risos]. É quase como um stop, ou um break, para toda a gente ver o jogo, mas sempre com animação antes de começar, no seu intervalo e esperemos que com uma grande festa no fim. 

O Rock in Rio está no Brasil e em Portugal, mas também já passou por Madrid e Las Vegas…

Sim, sim, já fizemos três edições em Madrid e uma em Las Vegas, onde vamos voltar em breve.

Com tantos festivais a acontecer nos EUA, qual foi o impacto do RIR?

Em Las Vegas foi uma grande surpresa, nunca imaginámos ir para os EUA e criar um impacto tão grande. Desde que entrámos os festivais mudaram muito. Começaram a ter de investir em casas de banho permanentes, tendas climatizadas, como é o caso da tenda VIP [risos]. Até mesmo trazer marcas para os festivais que era uma coisa que não tinham assim tanto. Foi uma surpresa muito grande porque em Las Vegas foi uma Cidade do Rock feita de raiz – com relva sintética, serviços, casas de banho permanentes, muita atração, como aliás, também já somos conhecidos, como um parque temático. Foi uma cidade nova no meio da street de Las Vegas, junto aos hotéis. É um conceito completamente diferente. A pessoa chega deixa a mala no hotel, desce e vai para o Rock in Rio. Foram grandes shows também, noomeadamente Bruno Mars, Taylor Swift, Metálica, NoDoubt. Foi um evento em força. Por diversas circunstâncias tivemos que deixar passar mais dois anos e preparamos agora em força a nova edição.

Na verdade, só em Lisboa não foi preciso construir uma Cidade do Rock…

Sim, quando o Rock in Rio veio para Portugal, em 2004, usou-se o Parque da Bela Vista e, para nós, é o mais especial porque é o único completamente natural. Parece que foi desenhado para isto e é o único Rock in Rio que não tem uma Cidade do Rock permanente. 

Estão a pensar expandir a marca para mais seis países nos próximos 5 anos?

É uma estratégia.

Mas já está definido onde será? 

Anunciamos em Buenos Aires e, apesar dos atrasos por questões políticas, a obra decorre a todo o ritmo e, por isso, esperamos que a Cidade do Rock chegue à Argentina em 2020. Em breve devemos anunciar mais um aqui na Europa, na Alemanha.