É cada vez mais complexo falar em fronteiras quando se trata de tentar prever até onde pode ir a tecnologia. Até onde nos pode levar? Ninguém sabe, porque a resposta vai sendo desenhada a pouco e pouco. Mas é exatamente nas fronteiras que tem estado a desenhar-se o futuro, e aqui estamos a ser literais. A União Europeia e, em especial, os países europeus que são banhados pelo mar Mediterrâneo têm enfrentado uma série de desafios, com a travessia ilegal de fronteiras. A necessidade de fortalecer a segurança fronteiriça para controlo de migrações e, sobretudo, no combate ao crime que ocorre nestas travessias levou a que a União Europeia fizesse nascer o SUNNY. O projeto, financiado em quase 10 milhões de euros, envolveu 16 entidades com o objetivo de desenvolver uma rede de sensores inteligentes que são transportados a bordo de aeronaves não tripuladas.
Ao i, Hugo Silva, do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC), explica que “a ideia do projeto SUNNY nasceu da necessidade de responder aos desafios que à data do início do projeto – 2014 – já se anteviam para a Europa: que as fronteiras da Europa, especialmente a sul, no Mediterrâneo, iriam ser postas sob pressão devido às vagas de imigração irregular e também devido ao tráfico de pessoas e bens vindos dos países do Norte de África e do Médio Oriente”. Foi então que se mobilizaram milhões de euros para desenvolver uma solução tecnológica à altura do desafio.
Para Hugo Silva, não há como afastar todas as vantagens que este projeto tem nos dias de hoje. “A principal vantagem da utilização de sistemas como o SUNNY é a capacidade de aumentar o nível de vigilância e patrulhamento em ambiente marítimo, sem ser necessário empregar mais meios humanos no processo de vigilância. No fundo, o objetivo é de-senvolver um sistema que seja capaz de operar da forma mais autónoma possível e só requeira intervenção humana quando existe absoluta necessidade e em caso de alerta”, explica.
Estas aeronaves, denominadas UAV (unmanned aerial vehicles) ou RPAS (remote piloted aircraft systems), têm como função principal patrulhar áreas fronteiriças que, no caso do SUNNY, são sobretudo relacionadas com o ambiente marítimo. No entanto, há questões que ainda aguardam resolução e problemas que precisam de ser resolvidos a curto prazo para fazer com que esta tecnologia ande de mãos dadas com as necessidades reais da Europa.
O sistema foi criado e testado com sucesso e os sensores e robôs desenvolvidos no âmbito deste projeto estão já a ser comercializados pelos respetivos parceiros. No entanto, a verdade é que existem ainda “uma série de constrangimentos à utilização de aeronaves não tripuladas na legislação de voo, o que faz com que ainda não seja possível utilizar um sistema tão complexo como o do SUNNY sem qualquer tipo de restrições”.
Com a questão da legislação na mira de muitos, Hugo Silva salienta que “o sistema integrado do SUNNY ainda não pode ser usado sem restrições, e aqui friso o ‘ainda’. Porém, os componentes, de forma isolada, já estão a ser comercializados. Dou o exemplo do sistema de imagem hiperespectral que foi produzido, que está a ser comercializado por uma empresa finlandesa, ou o sistema de radar, que está a cargo de uma empresa holandesa. No caso dos robôs, ou seja, as aeronaves, estão a ser comercializadas e há uma delas que pertence à Força Aérea Portuguesa”.
A pergunta que pode ficar para muitos é quando vai ser possível contar com esta tecnologia a fazer o trabalho de vigilância nas fronteiras. Também a fizemos e, de acordo com Hugo Silva, “para o sistema poder ser utilizado em ambiente operacional, todos os seus componentes têm de passar por um processo de desen-volvimento e industrialização que lhes permita passar de objeto de investigação a produto. Alguns dos componentes, como os sensores de imagem hiperespectral, o radar e a estação de comando e controlo, já se encontram no mercado, outros ainda precisam de mais tempo de maturação e desenvolvimento, e é nestes que o INESC TEC quer continuar o seu processo de investigação e desenvolvimento, pois é nestes que existe maior valor acrescentado e que no futuro vai permitir gerar mais-valias tecnológicas e financeiras com a exportação de know-how.Em termos práticos, pensando especificamente no caso português, o que mudará? Os criadores dizem que muita coisa, mas sempre na base de que é preciso pensar a longo prazo. No curto prazo, destacam que ainda há trabalho a fazer, até porque falamos de uma tecnologia que pode ser aplicada para resolver outros problemas como os incêndios, por exemplo. A utilização de drones para aplicações ambientais já está inclusive a ser estudada.Das 16 entidades internacionais que participaram neste projeto que agora chega ao fim, três são portuguesas – CINAV e FAP, do Ministério da Defesa Nacional, e INESC TEC.