Este país na Europa dos fundos


A proposta de orçamento da EU, com redução para os interesses de convergência de Portugal, deveria ser ensejo para afirmação da nossa identidade no contexto europeu


Chega a ser chocante, vezes demais, as oportunidades perdidas de discussão séria e importante no espaço político que é público no país. As agendas mediáticas impostas pelas inserções na imprensa digital diária e pelas necessidades de consumo das televisões orientam as ações e as reações, envolvendo um condicionamento implícito dos temas que devem ser relevantes e afirmando uma supremacia do que, vezes demais, mesmo que (mais ou menos) importante setorial e conjunturalmente, não deixa de ser (mais ou menos) supérfluo e pouco significativo na linha transversal e estratégica da nossa subsistência e progresso. No meio de tantas linhas, horas e debates sobre casos judiciais, futebol e episódios “sociais”, depositam-se assuntos fulcrais para debaixo do tapete em flashes e notas de rodapé que dão margem a pensamentos pouco trabalhados e a posições dadas como inevitáveis e irreversíveis. Em alguns casos, são as tragédias e o alarme social a tirar muitos desses assuntos para a ribalta. Sem que se peçam imputações e responsabilidades aos agentes políticos. 

Para um país como Portugal, que depende da União Europeia para sanar os fortes desequilíbrios e continuar os esforços de convergência com os níveis de crescimento da “média europeia” como país de “coesão”, um tema como o montante dos fundos atribuídos no ciclo temporal a iniciar em 2020 nunca deverá ser um tema qualquer. E não deve ser visto e tratado como tal pelo governo, pelos partidos da oposição e, já agora, pelo Presidente da República. Pelo menos não deve ser reduzido circunstancialmente a uma cifra de mais ou menos milhões de euros. Em causa está a proposta feita pela Comissão Europeia relativamente ao Quadro Financeiro Plurianual para 2020-2027, num quadro de redução do orçamento europeu em face da saída do Reino Unido (com consequências nos montantes dos “fundos estruturais” da coesão) e da emergência de um elenco de novas áreas prioritárias de investimento. Aparentemente, nada a fazer, pelo menos até revisões do ordenamento financeiro e monetário da EU, pois as regras formais sempre se invocam como fundantes das decisões. No entretanto, essas regras têm de se adequar à concretização de uma racionalidade comparativa entre os países assente no conceito básico da integração europeia: a solidariedade. E, nessa racionalidade, Portugal não pode ser lesado, nomeadamente se, nos valores e nos critérios, for desavantajado em relação a economias mais prósperas ou aos países que também sofreram a austeridade imposta pelos credores dos resgates financeiros. Se assim for, não há solidariedade; há acentuação da discrepância e abandono do de-senvolvimento harmonioso. E campo aberto para que os mais pobres e mais desfavorecidos desenvolvam as distorções de sistema, os desequilíbrios e as contestações sociais, os populismos emergentes em face da governação estabelecida, as cidadanias incompletas e fracassadas num espaço potencialmente comum, a falência do projeto europeu como bloco geopolítico no regaço dos individualismos dos mais fortes. 

Há momentos em que se joga a identidade e a natureza de um país. Aproximando-se as eleições europeias, relembrando-se os sacrifícios impostos para a saída do diktat da troika, sublinhando a implementação dos fundos estruturais e de investimento no ciclo 2014-2020 como fator decisivo para essa saída, este será um grande ensejo para um país de pequena dimensão explicar, fundamentar, lutar e afirmar. Acima de tudo, respeitar-se e dar-se ao respeito. Estou, por isso, com aqueles que não desculparão a omissão e a conformação. De todos, sem exceção.

Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsulto
Escreve à quinta-feira


Este país na Europa dos fundos


A proposta de orçamento da EU, com redução para os interesses de convergência de Portugal, deveria ser ensejo para afirmação da nossa identidade no contexto europeu


Chega a ser chocante, vezes demais, as oportunidades perdidas de discussão séria e importante no espaço político que é público no país. As agendas mediáticas impostas pelas inserções na imprensa digital diária e pelas necessidades de consumo das televisões orientam as ações e as reações, envolvendo um condicionamento implícito dos temas que devem ser relevantes e afirmando uma supremacia do que, vezes demais, mesmo que (mais ou menos) importante setorial e conjunturalmente, não deixa de ser (mais ou menos) supérfluo e pouco significativo na linha transversal e estratégica da nossa subsistência e progresso. No meio de tantas linhas, horas e debates sobre casos judiciais, futebol e episódios “sociais”, depositam-se assuntos fulcrais para debaixo do tapete em flashes e notas de rodapé que dão margem a pensamentos pouco trabalhados e a posições dadas como inevitáveis e irreversíveis. Em alguns casos, são as tragédias e o alarme social a tirar muitos desses assuntos para a ribalta. Sem que se peçam imputações e responsabilidades aos agentes políticos. 

Para um país como Portugal, que depende da União Europeia para sanar os fortes desequilíbrios e continuar os esforços de convergência com os níveis de crescimento da “média europeia” como país de “coesão”, um tema como o montante dos fundos atribuídos no ciclo temporal a iniciar em 2020 nunca deverá ser um tema qualquer. E não deve ser visto e tratado como tal pelo governo, pelos partidos da oposição e, já agora, pelo Presidente da República. Pelo menos não deve ser reduzido circunstancialmente a uma cifra de mais ou menos milhões de euros. Em causa está a proposta feita pela Comissão Europeia relativamente ao Quadro Financeiro Plurianual para 2020-2027, num quadro de redução do orçamento europeu em face da saída do Reino Unido (com consequências nos montantes dos “fundos estruturais” da coesão) e da emergência de um elenco de novas áreas prioritárias de investimento. Aparentemente, nada a fazer, pelo menos até revisões do ordenamento financeiro e monetário da EU, pois as regras formais sempre se invocam como fundantes das decisões. No entretanto, essas regras têm de se adequar à concretização de uma racionalidade comparativa entre os países assente no conceito básico da integração europeia: a solidariedade. E, nessa racionalidade, Portugal não pode ser lesado, nomeadamente se, nos valores e nos critérios, for desavantajado em relação a economias mais prósperas ou aos países que também sofreram a austeridade imposta pelos credores dos resgates financeiros. Se assim for, não há solidariedade; há acentuação da discrepância e abandono do de-senvolvimento harmonioso. E campo aberto para que os mais pobres e mais desfavorecidos desenvolvam as distorções de sistema, os desequilíbrios e as contestações sociais, os populismos emergentes em face da governação estabelecida, as cidadanias incompletas e fracassadas num espaço potencialmente comum, a falência do projeto europeu como bloco geopolítico no regaço dos individualismos dos mais fortes. 

Há momentos em que se joga a identidade e a natureza de um país. Aproximando-se as eleições europeias, relembrando-se os sacrifícios impostos para a saída do diktat da troika, sublinhando a implementação dos fundos estruturais e de investimento no ciclo 2014-2020 como fator decisivo para essa saída, este será um grande ensejo para um país de pequena dimensão explicar, fundamentar, lutar e afirmar. Acima de tudo, respeitar-se e dar-se ao respeito. Estou, por isso, com aqueles que não desculparão a omissão e a conformação. De todos, sem exceção.

Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsulto
Escreve à quinta-feira