Não precises do cancro para nada


Vou sair (mais uma vez) da minha zona de conforto porque só assim é que se cresce e porque a vida é muito mais engraçada se nos perdermos pela Ásia… mas não poderia ir-me embora sem um último texto


Este é o último texto que vos escrevo (ohhhhhhh!) nos próximos tempos. Vou pegar na minha mochila e zarpar algum tempo para fora de Portugal, para voltar com ainda mais energia e mais cheia de histórias. Não vou sozinha. Vou com o Tiago, numa aventura a dois, com a certeza de que voltaremos (ainda) mais felizes, com mais momentos só nossos, únicos, daqueles que promovem as private jokes e os suspiros a dois. Vou sair (mais uma vez) da minha zona de conforto porque só assim é que se cresce e porque a vida é muito mais engraçada se nos perdermos pela Ásia… mas não poderia ir-me embora sem um último texto, escrito com o coração e na esperança de vos deixar algumas saudades. Eu vou ter saudades vossas, vocês não?

Estive há pouco tempo em Aguiar da Beira a apresentar o livro. Entre muitas coisas que me marcaram, como a amizade que fiz com o padre André, talvez destaque um momento especial durante a apresentação – o final. Nesta apresentação, lembro–me que terminei com um apelo:

Não precises do cancro para nada.

A verdade é que acho que, no meu caso, não teria aprendido de outra maneira. A sério que não. Apesar de confiar na minha intuição, de ser uma miúda de fé, só aprendo, normalmente, à porrada (na matemática foi assim, por exemplo) e acho que só aprenderia com o cancro, com a dor, com a perda, vendo, de frente, como se não houvesse outra forma. Mas não tem de ser assim. Não precises do cancro para valorizar quem amas, para seguires os teus sonhos, para agora perceberes quem és. Não precises de nadar com os tubarões para entenderes que a vida é o teu bem mais precioso. Não precises de aprender da pior maneira.

Contei-lhes, de lágrimas nos olhos, que pouco tempo depois de ter passado pelo meu terramoto emocional, a minha tolerância às pessoas-que-estão- -sempre-a-reclamar estava mais frágil que o vidro. Confesso que também me estava a apetecer rebentar com alguém, e ao ver uma peça que conheço reclamar e enviar a sua constante má energia para o mundo só porque sim foi um instantinho até lhe despejar para cima:

“Mas estás a reclamar de quê? Eh pá, parece que estás desertinho para passar por uma tragédia para que, finalmente, tudo passe a fazer sentido! Só te falta pedir ao mundo um cancro para ver se a vida arrebita, não é?”

Teve de ser. Não estava a aguentar que as pessoas não parassem para ver. Não estava a aguentar perceber que a minha história e a morte das nossas pessoas não inspirassem suficientemente os outros a viverem com mais entrega, com mais amor. Era como se me dissessem que toda esta dor não tivesse valido a pena, porque não ensinava nada, não mostrava nada.

Por isso, tu que estás a ler este texto decora isto: não sejas como eu. Não precises do cancro para nada. Não precises que doa a sério para, finalmente, aproveitares o escasso tempo que cada um de nós tem por cá. Não tenhas de sentir na pele para entender. Às vezes, basta ver para crer.

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