Durante o último fim de semana ouvi exposições terríveis sobre os ataques à independência das magistraturas em alguns países da UE, e noutros que a ela querem candidatar-se, que não podem deixar de alarmar qualquer cidadão desta Europa em desvario.
O mais preocupante não foram, porém, os discursos dos que ainda se atreveram a falar, mas a ausência envergonhada de palavras públicas dos que nem sequer ousaram referir as misérias caseiras que confessam em privado.
De tudo, no entanto, resulta um panorama de guerra aberta contra as possibilidades de concretizar verdadeiros Estados de direito nos quais a Justiça possa aplicar a lei por igual a todos os cidadãos.
Se países há em que a essa guerra é sobretudo psicológica, mais do que traduzida em medidas agressivas concretas e identificáveis publicamente, noutros, as pressões, interferências e perseguições aos magistrados – juízes e procuradores – atingem níveis de violência que nos fazem recordar alguns dos aspetos mais tenebrosos dos fascismos.
Desde métodos de saneamento coletivo, encapotados com medidas de reforma antecipada, mas obrigatória, que logo terminam quando atingidos os objetivos concretos e, afinal, personalizados, passando pela infiltração de serviços secretos nas estruturas judiciais, até à prisão e tortura de magistrados, tudo acontece neste democrático mundo de alardeado Estado de direito e de invocada proteção dos direitos humanos.
No último número da “Revista do Ministério Público” português foi publicado um artigo de um filósofo do direito italiano – também um reconhecido processualista penal – que, de alguma maneira, oferece explicações consistentes para o que, nesta matéria, se passa na Europa e noutras partes do mundo.
Refiro-me a um artigo de Luigi Ferrajoli, intitulado precisamente “Para um Ministério Público como instituição de garantia”.
Diz ele, a dado passo e depois de dissertar sobre a importância das funções novas do MP que não estão diretamente relacionadas com a política criminal e com o exercício da ação penal:
“Há hoje, por seu turno, uma razão adicional para apoiar a independência das funções do Ministério Público como órgão da acusação. A mesma consiste na mudança da fenomenologia criminal contemporânea.
A criminalidade que ameaça de forma superlativa a segurança e a democracia é, hoje, a criminalidade do poder: por um lado, a criminalidade organizada e tendencialmente transnacional dos poderes criminosos que em regiões inteiras (…) estão a conquistar o controlo do território; por outro, os crimes de corrupção e prevaricação dos poderes públicos e dos poderes económicos, igualmente intolerantes ao controlo da legalidade, surgindo às vezes em conluio com os poderes criminosos.
É por isso que, bem mais do que no passado (…) os fenómenos de integração entre poderes criminosos, poderes económicos e poderes políticos exigem hoje a máxima garantia do Ministério Público…”
Portugal não passou, desde a Constituição de 76, por nenhum ataque frontal, direto e verdadeiramente forte contra a independência judicial e a autonomia do Ministério Público.
O mais a que se assistiu e ouviu foi ao roufenhar de ameaças e à tomada de algumas medidas punitivas indiretas, da parte de personalidades inconsequentes, e que relevaram mais do abuso de poder burocrático do que, verdadeiramente, da coragem política de afrontar a ação da justiça e dos magistrados.
Isso só não aconteceu, contudo, devido aos estatutos constitucional e legal das magistraturas portuguesas.
Defendê-los no que têm de essencial – mesmo que aperfeiçoando-os – é, por isso, necessário