O escrutínio dos anos de poder de José Sócrates, tendo por base para discussão as relações entre política, economia e sistema financeiro, será necessariamente tema recorrente para depois do verão, uma vez desvendadas mais algumas novidades no espaço mediático e nas instruções processuais dos tribunais. Naturalmente para PSD e CDS, no apronto lógico de ligação de protagonistas do atual governo e de estigmatização de rumos programáticos do PS. Porém, essa avaliação, em conjunto com as negociações para a aprovação do Orçamento do Estado (OE) para 2019, pode desembocar numa revogação dos entendimentos de PCP e BE com o PS – mesmo para além e antes de qualquer acordo dos conteúdos orçamentais. Isto é, se PSD e CDS estarão no combate, PCP e BE estarão na posição extraordinariamente delicada de negociarem com uma parte ou uma projeção última da ação do primeiro-ministro Sócrates, contra quem tanto lutaram. Em linguagem muito simples, o eleitorado-tipo dos partidos à esquerda do PS não compreenderia que, colocada a questão nesse prisma, houvesse qualquer entendimento, tanto mais que os “seus” partidos não dispõem de qualquer assento no executivo e os acordos são fundamentalmente de “princípios”. Se essa corrente com os eleitores for compreendida como nevrálgica, os partidos que aguentam o PS nesta legislatura poderão ter de recuar antes de dar qualquer passo em frente. Pois bem. Se a “tenaz” apertar de ambos os lados de forma irreversível, o governo e o PS ficarão sem margem. E percebe-se que esse é um cenário admissível.
À cabeça, o Presidente Marcelo. Com o espírito antecipador de sempre, pediu bom senso e, no caso de fracasso na AR da aprovação do OE, anunciou eleições legislativas antecipadas, mesmo antes das europeias. Depois, António Costa, asseverando que, sem OE para 2019, a saída de cena do governo é inevitável, uma vez que – fundamentou – o governo se esgotará quando não for capaz de produzir um OE viabilizado na AR. Ambos parecem alinhados e estão apenas a reduzir o discurso a uma só conclusão: tudo depende de PCP e BE. Costa está seguro de que qualquer altura do ano de 2019 é favorável para a sua vitória e um papel imprevisto de vitimização serviria em absoluto essa meta. Depois, se pede ou não maioria absoluta, isso sairá do seu instinto, das sondagens e da campanha “naquele” momento. Porém, “esse” momento pode ser mais ou menos crítico se a tenaz que tenha impedido o OE for eficiente no agendamento dos casos judiciais e mediáticos e no consequente desgaste do PS. A política implica tomar decisões e assumir riscos. E o PS confiante e dominante poderá ter a virar–se contra si a lógica de poder que baseou o entendimento que atirou Passos e Portas para fora dele. O risco último.
Se tudo assim for e se assim se concretizar, o ano político de 2019 vai ser muito concentrado à volta de ética na política, reformas das leis da “moralização”, balanços de justiça e ajustes de contas com o passado. É nessa arena que a tenaz poderá ter ganhos imediatos. É nesse espaço que o voto do “centro” se pode transferir para destinatário incerto. E tudo se reconfiguraria para uma diferente luta de poder.
Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsulto
Escreve à quinta-feira