A propósito de um documentário sobre o serviço cívico estudantil


O que mais me comoveu foram as considerações, também serenas, que, agora mais velhas, algumas das participantes fizeram sobre o seu envolvimento passado naquele movimento cívico


Aconteceu-me ver recentemente na televisão um documentário sobre os tempos do serviço cívico estudantil nos idos de 74/75 e ler, pouco tempo depois, um livro de uma autora argentina, Claudia Piñeiro.

Impressionou-me ter ouvido atualmente as palavras avisadas, ditas à época, de algumas das jovens participantes no serviço cívico que conheci nesse período.

Ressaltava delas uma frescura, uma seriedade e um entusiasmo refletido e crítico que desmentiam de imediato a imagem de fanatismo que então quiseram dar de quantos se dispuseram a participar em tal empreendimento.

Senti, por isso, agora uma ternura para com elas que, na altura, nem me ocorreria.

Era, nesse tempo, como parceiras de um projeto vasto – que nos mobilizava coletivamente e suplantava enquanto simples indivíduos – que sobretudo as encarava. 

Rever essas pessoas na idade que então tinham e poder ouvir, tantos anos depois, a ponderação das suas palavras jovens encheu-me de orgulho.

O orgulho, de alguma maneira, de ter comungado dos gestos e ideias generosas que as moveram – que nos moveram. 

Mas o que mais me comoveu, confesso, foram as considerações, também serenas e sérias, que, mais velhas, fizeram sobre o seu envolvimento passado naquele movimento cívico.

É através destas que sobressai evidente a honestidade de propósitos do seu envolvimento juvenil e, de alguma maneira, pesem as circunstâncias da vida, o contributo que aquela participação assegurou na sua formação como pessoas de bem que, hoje, ainda demonstram ser.

O livro de Claudia Piñeiro vagueia também entre o presente e o passado de duas personagens – dois arquitetos – que as razões da vida separaram, mas que, num dado momento, quando jovens estudantes, comungaram das mesmas utopias e desejos de transformação da sua cidade.

A dado passo, contam-se nele as conversas antigas travadas nas suas deambulações adolescentes e curiosas por uma Buenos Aires já há muito inexistente.

Numa ocasião posterior, já na meia-idade, uma das personagens constata, sobressaltada, a metamorfose gradual desse espírito generoso numa espécie de indiferença ante os valores do bem comum e da justiça que então os moviam.

Por isso, tal livro fez-me recordar de imediato o documentário sobre o serviço cívico, cujo espírito e propósito genuínos nenhuma das protagonistas revisitadas no documentário tantos anos depois parecem, afinal, ter enjeitado.

Nos dias que vão correndo no nosso país vivemos sentimentos contraditórios que as circunstâncias quiseram juntar num mesmo momento. 

De um lado, a conturbação profunda que a revelação da dimensão e pertinência da corrupção, do amiguismo e do desdém pelo bem comum produziu em quase todos nós. 

Parece difícil, com efeito, continuar a suportar sem repulsa a denúncia contínua de cada vez mais e cada vez mais graves comportamentos vergonhosos – crimes ou não – que, mesmo que já antes pressentidos, sempre surpreendem quando objetivados. 

De outro lado, a movimentação indignada, mas serena e consciente, dos que, por causa de tais desmandos, viram a sua vida regredir a níveis impróprios e não compatíveis com as condições de desenvolvimento que o país consente.

Este último sentimento, que cresce igualmente em vigor e esperança, é por certo aquele que melhor permitirá projetar um outro país e galvanizar as energias capazes de transformar, hoje ainda, a vida da nossa sociedade.

Mobilizar essa força tranquila mas firme e transformá-la no esteio de uma sociedade mais decente e mais justa parece ser o caminho certo. 


A propósito de um documentário sobre o serviço cívico estudantil


O que mais me comoveu foram as considerações, também serenas, que, agora mais velhas, algumas das participantes fizeram sobre o seu envolvimento passado naquele movimento cívico


Aconteceu-me ver recentemente na televisão um documentário sobre os tempos do serviço cívico estudantil nos idos de 74/75 e ler, pouco tempo depois, um livro de uma autora argentina, Claudia Piñeiro.

Impressionou-me ter ouvido atualmente as palavras avisadas, ditas à época, de algumas das jovens participantes no serviço cívico que conheci nesse período.

Ressaltava delas uma frescura, uma seriedade e um entusiasmo refletido e crítico que desmentiam de imediato a imagem de fanatismo que então quiseram dar de quantos se dispuseram a participar em tal empreendimento.

Senti, por isso, agora uma ternura para com elas que, na altura, nem me ocorreria.

Era, nesse tempo, como parceiras de um projeto vasto – que nos mobilizava coletivamente e suplantava enquanto simples indivíduos – que sobretudo as encarava. 

Rever essas pessoas na idade que então tinham e poder ouvir, tantos anos depois, a ponderação das suas palavras jovens encheu-me de orgulho.

O orgulho, de alguma maneira, de ter comungado dos gestos e ideias generosas que as moveram – que nos moveram. 

Mas o que mais me comoveu, confesso, foram as considerações, também serenas e sérias, que, mais velhas, fizeram sobre o seu envolvimento passado naquele movimento cívico.

É através destas que sobressai evidente a honestidade de propósitos do seu envolvimento juvenil e, de alguma maneira, pesem as circunstâncias da vida, o contributo que aquela participação assegurou na sua formação como pessoas de bem que, hoje, ainda demonstram ser.

O livro de Claudia Piñeiro vagueia também entre o presente e o passado de duas personagens – dois arquitetos – que as razões da vida separaram, mas que, num dado momento, quando jovens estudantes, comungaram das mesmas utopias e desejos de transformação da sua cidade.

A dado passo, contam-se nele as conversas antigas travadas nas suas deambulações adolescentes e curiosas por uma Buenos Aires já há muito inexistente.

Numa ocasião posterior, já na meia-idade, uma das personagens constata, sobressaltada, a metamorfose gradual desse espírito generoso numa espécie de indiferença ante os valores do bem comum e da justiça que então os moviam.

Por isso, tal livro fez-me recordar de imediato o documentário sobre o serviço cívico, cujo espírito e propósito genuínos nenhuma das protagonistas revisitadas no documentário tantos anos depois parecem, afinal, ter enjeitado.

Nos dias que vão correndo no nosso país vivemos sentimentos contraditórios que as circunstâncias quiseram juntar num mesmo momento. 

De um lado, a conturbação profunda que a revelação da dimensão e pertinência da corrupção, do amiguismo e do desdém pelo bem comum produziu em quase todos nós. 

Parece difícil, com efeito, continuar a suportar sem repulsa a denúncia contínua de cada vez mais e cada vez mais graves comportamentos vergonhosos – crimes ou não – que, mesmo que já antes pressentidos, sempre surpreendem quando objetivados. 

De outro lado, a movimentação indignada, mas serena e consciente, dos que, por causa de tais desmandos, viram a sua vida regredir a níveis impróprios e não compatíveis com as condições de desenvolvimento que o país consente.

Este último sentimento, que cresce igualmente em vigor e esperança, é por certo aquele que melhor permitirá projetar um outro país e galvanizar as energias capazes de transformar, hoje ainda, a vida da nossa sociedade.

Mobilizar essa força tranquila mas firme e transformá-la no esteio de uma sociedade mais decente e mais justa parece ser o caminho certo.