Revisitando Porter


Uma planificação a prazo no contexto dos clusters setoriais e integrados do país é urgente para afastarmos os fantasmas de novas austeridades no futuro


Há mais de duas décadas, quando me aventurei nos estudos da economia e da gestão depois do direito, soavam, nos manuais da estratégia, os sound bites do estudo de Michael Porter para o desenvolvimento a prazo do país. Era desse estudo, salvo erro encomendado por Mira Amaral quando era ministro da Indústria do segundo governo de Cavaco Silva, que surgiam a “teoria dos clusters”, as “forças competitivas” e as “políticas horizontais” do Estado, adornado na figura do “diamante”. O fundamental seria cruzar todas essas forças e apostar nos setores vitais para tornar competitiva, a prazo, a nossa economia, ainda quente com a injeção de fundos da CEE. Os académicos mais céticos criticavam o tradicionalismo da visão de Porter, que incentivava as concentrações empresariais e institucionais sem risco porque já competentes, em vez de induzir a emergência e a inovação. Nunca me pareceu que fosse esse o fito. Antes – neófito e curioso naquelas andanças tão complexas e desafiantes – fiquei com a convicção de que a aplicação das teorias do norte-americano às empresas portuguesas, com apoio de reformas estruturais do Estado, seria uma fase inicial adequada às especificidades do país no contexto europeu. Começar pelo têxtil, calçado, vinho, mobiliário, componentes para automóveis, cortiça e moldes parecia lógico como instrumento mobilizador para a interação com os setores complementares – e depois autonomizáveis – e a produtividade territorialmente mais homogénea. Seria interessante fazer o legado entre nós daqueles esquemas em rede de Porter que se projetavam nas salas das universidades e nas conferências dos seguidores: desinteresse e abandono no consulado de Guterres, lançamento do modelo dos “megaclusters”, os “polos de competitividade” no âmbito do plano tecnológico, a vigência dos “clusters da competitividade” reconhecidos por regiões. E concluir que é nesse legado que se pode explicar a recuperação da economia que conta na era do conhecimento e do digital: a que cria valor pela transação, a que é empreendedora e tecnológica, a que incorpora qualificação, a que exporta, a que cria emprego. Podemos dizer com alguma segurança que essa mentalidade setorial aguentou o país na austeridade e deu as pistas para se aproveitarem os fatores externos que nos têm ajudado a evoluir para uma outra fase. Desde logo a que se desprendeu do Estado, que se revolta com os obstáculos do Estado e que demanda ao Estado investimento complementar e reprodutivo. Só isso já teria sido um avanço extraordinário.

Está a chegar ao fim o primeiro ciclo governativo pós-troika. Com as naturais pressões para fazer do último ano do ciclo novamente um “ano zero”. Neste contexto tão previsível, voltar a Porter é regressar à necessidade de planificar com o que temos hoje e podemos ter (ou não) amanhã. É pensar na nossa localização giratória no contexto da globalização, nos nossos recursos naturais e nas infraestruturas que ainda nos afastam da Europa, nas qualificações dos portugueses a partir dos 25 anos, na necessidade de termos um (só) centro universitário e de investigação de índole multilateral e reconhecimento internacional, na formulação de um “plano de convergência” das contas públicas, no alargamento dos mandatos governativos, nas simplificações legislativas e nas mudanças judiciárias. Claro que esta planificação implica desligarmo-nos dos interesses corporativos, das aspirações dos nichos e das polémicas de paróquia. É difícil. Mas das facilidades e das indecisões não rezam as agendas dos estadistas. É deles que o país precisa neste momento.

 

Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsulto

Escreve à quinta-feira