Dialogar com alunos


É fundamental mentalizar os futuros profissionais que saem das universidades para a importância crítica das soft skills, que rentabilizarão nas organizações a sua preparação de base


Invariavelmente, de há muitos anos a esta parte, confronto os alunos de licenciatura e de mestrado com o futuro. Em ligação com o passado, mais concretamente com as suas origens familiares e geográficas. Ao longo dos anos letivos, na interrupção das lições mais teóricas e da resolução dos problemas que simulam a vida, falamos do futuro das oportunidades e das carreiras, auscultando as suas expetativas e as suas aspirações. Encontro-me agora a cruzar a fronteira da geração dos millennials para a geração Z e, por agora, não encontro grande diferença. Perante um microcosmos universitário e idiossincrático, encontro nessas amostras sucessivas a natural dificuldade de, na sua grande maioria, encontrarem com certeza a sua ambição, a sua realização. De responderem com assertividade e com fito, a não ser, quase sempre, quando indicam a passagem pela advocacia embrionária do estágio. São jovens ainda ancorados no amparo familiar, esperando pelo fim da fase escolar para agarrar o mundo. Compreende-se a incerteza generalizada e sente-se a insegurança de o “canudo” não garantir, em regra, o que garantia. As habilitações massificaram-se, as profissões mudaram, os exemplos sem esperança difundem-se, a entrega a um mercado desregulado é vista com desconfiança. Até se ouvem previsões de aplicações e programas informáticos que solucionam os “casos” do direito, com dispensa da força de trabalho jurídica. “Vamos ver!”, ouvi e ouço repetidamente.

Neste diálogo reiterado de tantos anos e nessa visão inquieta, vejo-me as mais das vezes como um pedagogo de esperança e da proficiência da preparação do ensino superior. Porém, situo-me portador do devido realismo, pois sabemos bem que não chega nem basta. Por um lado, num sentido positivo: a formação jurídica é uma extraordinária ferramenta para um conjunto vasto de profissões. Precisará frequentemente de upgrade diferenciado e continuado mas, mesmo quando se afasta da origem, proporciona uma base invejável de competências técnicas, de uma linha de raciocínio imbatível e de uma flexibilidade mental e cognitiva de grande transversalidade. São mais-valias que não me canso de enfatizar. Por outro lado, num sentido limitativo: essas capacidades não chegam nem se tornarão autossuficientes. Muito do sucesso da integração destes futuros profissionais passará pela forma como manifestarão ou aprenderão a traduzir, do ponto de vista individual e coletivamente, um conjunto de qualidades que as organizações – onde a maioria se vão incluir no mercado de trabalho – exigem sem pestanejar. Desde que recrutam até que avaliam o desempenho e promovem. São as soft skills do comportamento e da atitude. Que implicam saber trabalhar em equipa, comunicar com acerto, tratar da complexidade e da adversidade com criatividade e crítica, organizar o tempo escasso, superar a frustração do insucesso, ajustar o eu às diversas formas de segmentação do trabalho e às múltiplas personalidades, focar-se no resultado e na solução, ter intervenção no processo de tomada de decisão, fazer reskill permanente. É por aqui que vão descobrir as lideranças (em vez de chefias formais) e os compromissos (em vez das hierarquias rígidas) que sustentam a organização com sucesso. É nessas condutas que terão o estímulo para perceber que as invejas dissimuladas, as conflitualidades estéreis e a esterilidade das incapacidades se vencem com inteligência emocional, proatividade responsável e habilidade social. Depois, se com talento acrescentarem valor, a preparação de base fará o seu caminho. E, no tribunal ou longe dele, será visto que valeu a pena.

 

Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsulto

Escreve à quinta-feira