Apanhados pelas redes


Alguns membros do gigantesco cardume de utilizadores da net estão indignados por os seus dados serem usados para tudo e mais alguma coisa e até para manipulação política. Santa ingenuidade


1. De repente, meio mundo indignou-se com a circunstância óbvia e conhecida de Facebook e quejandos se apoderarem dos perfis (ou seja, dos dados pessoais e das pesquisas de cada um) para depois serem utilizados por eles ou por terceiros, a quem dão a informação para tentar manipular cada um em função dos seus gostos políticos, de consumo e lhes mandar publicidade ou artigos relacionados.

Teme-se até que tenha sido por isso que Trump ganhou as eleições e que tenham sucedido mais uma série de coisas maquiavélicas. A ser verdade (o que não está minimamente provado), é caso para dizer que pela boca morre o peixe. Se um tipo na América vê e lê coisas próximas do Trump, recebe propaganda dele ou artigos que podem reforçar essa linha de convicção. Se lê coisas neutras, recebe informação que o pode convencer. Se lê notícias anti-Trump, o mais certo é ter recebido mensagem de Hillary, como antes recebeu de Obama, que utilizou mais do que ninguém as redes sociais nas suas campanhas.

Fora da política, se alguém pesquisa férias recebe anúncios de agências e sites de viagens e se pensa em comprar carro é inundado de oportunidades. O perfil é feito a partir da pegada que cada um deixa. Seja para manipular politicamente uns idiotas que só se informam na intriga do Facebook e quejandos, seja para tentar vender coisas concretas ou dados pessoais.

As redes sociais e a net têm muito de positivo, mas andar a dar bitaites, escrever em sites, responder a questionários, fazer compras, tratar de assuntos bancários, pesquisar tudo na net deixa rasto. E esse rasto é o verdadeiro negócio de máquinas como o Facebook e a Google, que hoje também roubam os direitos de propriedade intelectual a qualquer um, destruindo até a viabilidade da comunicação social mais séria, como a imprensa. Vão longe os tempos em que o que movia o Facebook era pôr em contacto colegas estudantes. Foi coisa que durou para aí até aos primeiros cinco mil aderentes. Depois virou negócio de publicidade.

Se há não muitos anos em Portugal se deduzia o que cada um pensava conforme, por exemplo, lia “O Dia” ou “O Diário”, imagine-se o que é hoje com as redes. Permanentemente, milhares de milhões de utilizadores expõem-se sempre que teclam. É bom que haja limites e mais atenção aos abusos e às manipulações. Isto sem esquecer os meios audiovisuais ainda dominantes, onde a situação é mais flagrante e descarada. Se não se consegue controlar e regulamentar as situações ao nível nacional, como é possível acreditar que se o faça numa escala planetária? Há coisas inevitáveis. E a manipulação é tão antiga como a humanidade. Só a consciência individual e a educação podem minorar o que se passa hoje quando milhões de pessoas se informam só pelas redes sociais, tornando-se cardumes tontos que vão para onde os dirigem os grandes grupos, ficando presos nas suas redes de malha apertada.

2. A Europa vive uma paranoia antidiesel. Tendencialmente, os motores a diesel gastam menos e poluem mais. É um facto. Mas também é verdade que um diesel com dois anos polui menos que um a gasolina com sete e que os novos a gasolina têm consumos altíssimos logo que se acelera. Nesta fase verifica-se da parte dos consumidores um regresso à gasolina, a passagem para os híbridos gasolina/baterias e para os carros elétricos, embora estes tenham o grave problema da autonomia, por enquanto. O curioso é que não se assiste a nenhum movimento de fundo a favor dos motores a hidrogénio, certamente os menos poluidores. Dentro de uns anos, quando os carros movidos a eletricidade se generalizarem, teremos um complicado problema com a reciclagem das baterias. Atrás destas novas preocupações e medidas há questões ambientais que, obviamente, são fundamentais. Mas há também negócios emergentes de escala planetária. Vejam–se os verdadeiros balúrdios que todos pagamos indiretamente para as energias alternativas como as eólicas, alimentando um segmento que também foi tomado por grupos que tudo controlam.

3. Há uma semana realizou-se, em Coimbra, o funeral de João Calvão da Silva, a quem renderam homenagem largas centenas de pessoas, entre professores, alunos, políticos e muitos amigos, como Cavaco Silva e Marcelo Rebelo de Sousa, que simbolizaram uma representação do Estado ao mais alto nível. Professor ilustre entre os ilustres na sua querida Universidade de Coimbra, figura de referência no direito civil, militante social-democrata e homem de causas na política, Calvão da Silva era um católico convicto que foi próximo de Carlos Mota Pinto na academia e o seu braço-direito enquanto secretário de Estado no patriótico governo do bloco central nos anos 80, do qual foi um elemento nuclear. Apesar de ser uma referência no PSD, só voltou a aceitar uma função governativa para ser ministro da Administração Interna de Passos Coelho, num governo que sabia ir durar umas quatro semanas. Foi uma prova de amizade. E se foi grande em muitas matérias, aquela em que Calvão da Silva era uma pessoa excecional foi na amizade, no carinho e no apoio sem falhas aos amigos nas horas difíceis, tentando sempre ajudar e confortar. Inteligente, perspicaz e com fino sentido de humor, Portugal e a academia perderam um magnífico ser humano com o desaparecimento deste transmontano de gema. R.I.P., querido amigo João.

 

Jornalista