1. Para além da espuma dos dias da atualidade que o tempo se encarregará de apagar, há muitas coisas passadas que se devem recordar por, essas sim, serem verdadeiramente importantes para Portugal e os portugueses.
Estão a assinalar-se os 30 anos do início da construção do CCB com o propósito de ser a sede da presidência portuguesas da então CEE, em 93, e ser depois o que hoje é, um centro cultural notável e essencial.
É a Cavaco Silva que se deve a decisão que tantos criticaram com gritos e apitos estridentes e histéricos, mas que hoje permite a Lisboa ter um equipamento cultural absolutamente notável e que teve gestores de alta craveira como Mega Ferreira e Vasco Graça Moura, nomeadamente.
Foi também a Cavaco que se devem obras como a Expo 98, a partir da qual Lisboa se transformou profundamente, a notável Ponte Vasco da Gama e, por exemplo, o Alqueva, que hoje se percebe que era essencial, embora a agricultura esteja a fazer um mau uso do seu potencial. Em infraestruturas nem é bom falar, porque se transformou tudo com autoestradas que passaram a ligar Lisboa ao Porto e Lisboa a Faro. No sul mandou fazer a Via do Infante, agora cheia de buracos e caríssima, enquanto avançou com uma série de IP’s. Na indústria houve iniciativa, sendo a joia da coroa a Autoeuropa, a que Mira Amaral também fica para sempre ligado.
Muitas dezenas de outras coisas boas (e algumas más) foram feitas durante os dez anos de Cavaco no governo. Não faltaram foram reformas estruturais (por exemplo, o IRS), o que levou também a alguma soberba de certos colaboradores e a um cansaço da população.
Cavaco percebeu e saiu. Tentou ganhar Belém logo depois do governo e falhou. Mas voltou dez anos depois para dois mandatos presidenciais.
Cavaco Silva foi um fazedor e, em certa medida, um visionário. Se forem objetivos, os portugueses terão de lhe reconhecer isso. Tal como os que estão despidos de preconceitos reconhecem a Soares a dívida da liberdade e a Cunhal a circunstância de ser a referência do combate à ditadura. Como governante, não houve outro. Como presidente, teve um estilo próprio e momentos difíceis, mas o balanço foi positivo, sobretudo pela atitude equilibrada que teve quando o país atravessou o difícil período da troika. E é nos momentos maus que se vê a fibra de um político.
2. O facto de Rui Rio não ter aceitado a demissão de Barreiras Duarte imediatamente após a notícia do “Sol” não merece crítica, ao contrário do que certos comentadores entenderam. Rio (que estatutariamente não pode demitir um secretário-geral sozinho) demonstrou humanismo, serenidade, calma e deu tempo para que as coisas pudessem explicar-se no prazo aceitável de uma semana exata – isto apesar das vagas de ataques jamais vistas entre nós de que o seu secretário-geral foi alvo permanentemente nos jornais, nos comentários e nas anónimas e cobardes redes sociais, provocando-lhe um desgaste político e pessoal inevitável. Se tivesse atuado logo à primeira notícia, Rio teria sido um político daqueles que deixam logo cair quem possa causar-lhes dano de imagem. Outros assim procederam ou procederiam. Mas ele, não, e ficou-lhe bem.
A partir do momento em que foi objeto de múltiplos ataques políticos e mediáticos, Barreiras Duarte deixou de ter qualquer margem de defesa pública. Foi um verdadeiro linchamento mediático que impedia qualquer possível explicação pública com serenidade. Tinha, portanto, de se demitir, a fim de poder finalmente defender-se, depois de sair do radar da opinião e dos seus inimigos políticos, a maioria dos quais – reconheça- -se – estão no PSD.
O caso está agora na universidade e no Ministério Público, pelo que se deve aguardar para ver o que há de eventualmente ilegal ou se tudo não passou de mais um caso de uma montanha a parir um rato. Veremos também se, de facto, estão para surgir outros casos na equipa de Rio ou se, finalmente, o maior partido do país tem espaço para fazer uma oposição acutilante e construtiva.
3. Recheado de excelentes jornalistas e apesar do seu histórico passado, o “Diário de Notícias” está moribundo. O “DN” tem vindo a morrer aos poucos e, ao que parece, vai passar para online e para semanário, ou seja, vai para o que parecem ser cuidados paliativos. Há possivelmente responsabilidade editorial (sobretudo passada) na morte do “DN”. E há também, claro, um mercado em que o papel impresso conta cada vez menos, embora em certos países se assista a uma pequena inversão em relação a alguns títulos que conseguem fazer jornalismo de referência. Ora, isso é coisa que no “DN” se tornou impossível dado o enfeudamento a todo o tipo de interesses (daqueles que são notícia, mas não querem ser) a que o homem-forte que representa o capital do jornal está ligado. Katharine Graham e o “The Post” ficam bem longe no tempo e geograficamente.
Jornalista