PSD: o que tem de ser tem muita força


Rio já tem a guitarra na mão. É a hora de mostrar que tem unhas para a tocar, sendo certo que também há que ver se Costa e a geringonça desafinam, porque a verdade é que as eleições geralmente não se ganham, perdem-se


1. Os partidos dominantes são seres vivos. E, como tal, têm um apurado instinto de sobrevivência. Foi isso que se viu no congresso do PSD. Rio (e bem) percebeu que não podia sair dali com um partido publicamente dividido e muito menos balcanizado. Por isso, aproximou-se de Santana e ofereceu-lhe a partilha de certos órgãos, recebendo em contrapartida o apoio do ex-rival para a comissão política, o órgão simbolicamente mais importante. No balanço, desiludiu bastantes apoiantes, mas ganhou paz política. Santana ajudou muito. Percebeu que dificilmente deve voltar a uma corrida à liderança. Talvez finalmente Belém possa vir a ser desígnio, quando Marcelo sair, o que pode muito bem acontecer ao fim de um único mandato. Como ele gosta de dizer, o futuro a Deus pertence.

Rio tem agora nas mãos uma guitarra chamada PSD e também PPD. Daqui por diante é que se vai ver se tem unhas para tocar o instrumento. Tem uma equipa de primeira linha, muito forte, com políticos experientes como Morais Sarmento, David Justino, Castro Almeida e Barreiras Duarte, este nas estratégicas funções de secretário-geral. Conta ainda noutros órgãos com um conjunto de notáveis respeitados como Arlindo Cunha, Álvaro Amaro e Paulo Mota Pinto, para citar só alguns dos que estiveram com ele desde a primeira hora. Claro que na comissão política há nomes que soam a pouco ou podem dar problemas (e não é só o caso de Elina Fraga). Mas, às vezes, a política é como a caça e atrás de uma má moita aparece um bom coelho.

Por outro lado, com Nunes Liberato no conselho de jurisdição, é provável que certos regressos polémicos mas desejáveis, designadamente o de António Capucho, sejam agilizados, a bem da unidade na ação, para usar um termo grato à esquerda marxista. Polémica e eventualmente difícil pode ainda vir a ser, já amanhã, a eleição da nova liderança parlamentar, que tecnicamente fecha o ciclo de mudanças internas.

Para além do muito que já fez, Rio tem uma tarefa titânica pela frente em que a paz interna estará sempre dependente dos resultados vitoriosos que está obrigado a apresentar para que o partido não o questione, destruindo a relativa unidade conseguida.

Isto apesar de ser preciso ter consciência de que, mais do que nunca, se vai manter a premissa política de que as eleições não se ganham. O que acontece é que alguém as perde. E nesse campo há que convir que os resultados que António Costa e a sua geringonça têm produzido são bastante populares, sendo improvável que o atual trio harmonia governativo desafine de vez subitamente, a não ser por factos imprevisíveis como os que tragicamente marcaram o ano passado.

2. Santana esteve bem no congresso social–democrata ao aceitar o desafio de Rio. O seu discurso foi empolgante e cúmplice, depois de nos bastidores ter obtido entendimentos favoráveis às suas hostes e a alguns passistas. Teceu críticas ao chico-espertismo de quem queria impor metas e condições a Rio. Num clique apagou Pinto Luz, que se tinha posto em bicos dos pés numa carta cheia de exigências que ele não tinha substrato político para assinar. Não é qualquer um que chega a barão no PSD.

3. Com a frontalidade que se lhe conhece, Luís Montenegro marcou o congresso. Decidiu largar o parlamento sem deixar a intervenção política. É uma reserva indiscutível do partido. Montenegro sabe que terá muitas oportunidades futuras. E também sabe que, se quisesse, teria disputado como ninguém a liderança. Optou por não o fazer porque uma vitória iria colocá-lo numa posição de Passos substituto, coisa que não é e não quer ser. Fica com um espaço confortável nos média que deverá usar fundamentalmente para criticar Costa e a geringonça, não deixando pontualmente de marcar diferenças com Rio, sem que isso seja uma obsessão do tipo da que padece Carlos Abreu Amorim,

4. Passos Coelho não parecia ter compreendido que já não era líder quando subiu ao palanque para se despedir. Fez um discurso de chefe da oposição em funções. Percebeu-se que deixou o lugar com uma óbvia mágoa, que tem calado. Quem ouviu Passos atentamente terá percebido que não deu por finda a sua carreira política. Faltou na Junqueira quem, em vez de elogios de circunstância, lhe lembrasse que foi ele que decidiu sair pelo seu pé. Ninguém a isso o obrigou, mesmo depois da humilhação que o PSD sofreu nas autárquicas em Lisboa e no Porto, nomeadamente.

5. Numa coisa Passos esteve muito bem e correspondeu ao comportamento humano impecável que tem perante certas situações difíceis. Foi quando iniciou o seu discurso de despedida com uma saudação elogiosa, carinhosa e altamente merecida a João Calvão da Silva, uma figura relevante do PSD e da vida política e académica de Portugal que presidiu, até este congresso, ao conselho de jurisdição nacional. Há gestos simbólicos e bonitos que dignificam os que os têm e que justificam o respeito de todos, mesmo dos que politicamente não pensam da mesma forma. Foi justo e tocante.

Jornalista