Os mirabolantes primeiros sinais da liderança de Rui Rio


Rui Rio prometeu um “banho de ética”, em registo de duche escocês, na linha da gestão autárquica da Câmara do Porto. Um épico caso de divergência entre o valor facial e o valor real


A menos que Rui Rio seja uma espécie de Benjamin Button da política, os primeiros sinais são sintomáticos do perfil de liderança que pretende imprimir como alternativa política à maioria da atual solução de governo. “O Estranho Caso de Benjamin Button” é um filme que resulta da adaptação para cinema de uma história de F. Scott Fitzgerald, sobre um homem que nasce com 80 anos e regride na sua idade: um homem que, como qualquer um de nós, é incapaz de parar o tempo. É que os sinais da nova liderança são quase todos velhos, sem novidade.

O congresso da consagração ensaiou uma pretensa unidade que, tal como noutras latitudes, não se decreta, concretiza-se em muito mais do que um vulgar discurso de reunião magna de Santana Lopes, investido num postiço sentido de responsabilidade. Os silêncios e os anúncios a marcar terreno para futuro foram todos manifestados e não indiciam nenhuma convergência genuína, antes um estado de necessidade até às próximas eleições europeias e legislativas. Já vai sendo tempo de se perceber, na bola, na política e na vida, que há coisas que não se concretizam por decreto, porque o único compromisso que têm é com a democracia e a liberdade.

Do registo do discurso político, sem grandes novidades e enleado em contradições em relação ao passado e ao presente, surgiu a reafirmação da indisponibilidade para um bloco central no atual quadro político, mas uma disponibilidade para um bloco central de consensos em determinadas questões e processos, como acontecerá com a descentralização e o próximo quadro comunitário – duas matérias em que o BE e o PCP não contam para ser solução: um porque quer implodir a construção europeia; o outro porque, para além dessa deriva nacionalista, está contra a transferência de competências e meios do Estado central para as autarquias locais. Dá sempre mais jeito haver razão para protestar do que poder fazer parte da solução.

E nesta matéria dos consensos é muito curioso o sinal dado pela nova liderança: indicou como negociador para o próximo quadro comunitário, Portugal 2030, Castro Almeida, o arquiteto do Portugal 2020, evidente responsável pela embrulhada de regulamentos e afins que levaram a brutais atrasos na sua execução. É caso para dizer que a raposa está a caminho da capoeira, pois nem a galinha dos ovos de ouro conseguiu mobilizar para as eleições legislativas de 2015. Foi um desastre no mapeamento dos projetos e nas prioridades. Foram precisos mais de dois anos para que os nós de Castro Almeida se desembrulhassem alguma coisa. Logo quando o país pós–troika tanto precisava desses estímulos na economia.

Como é sublime o compromisso de solidariedade de Rui Rio com os seus. Com ele, os seus não têm de “lutar pelas suas verdades”, contam com a reafirmação de confiança em conferência de imprensa, mesmo que só tenham passado 48 horas sobre a escolha dos protagonistas em causa. Prometeu um “banho de ética”, está em registo de duche escocês – aliás, na linha da gestão autárquica da Câmara do Porto. Um épico caso de divergência entre o valor facial e o valor real. Mas a opção política de Elina Fraga é mais sintomática. É sinal de que, apesar da enunciada gratidão ao património político de Pedro Passos Coelho, Rui Rio será implacável nos sinais de demarcação do passado, como acontece em relação à justiça de Paula Teixeira da Cruz, com a purga possível no grupo parlamentar ou até com as prioridades às pessoas, à natalidade, à terceira idade, ao Serviço Nacional de Saúde e à escola. Tudo o que foi vergastado sem dó, entre 2011 e 2014, por alguns dos protagonistas de agora, da mesma forma que, noutras latitudes, estão os que configuraram o programa de ajustamento negociado com a troika. 

Apesar das evidentes fragilidades de quem nasceu envelhecido nos protagonistas, nas propostas e no discurso, é de estranhar que, com esse nível de mediania no conteúdo e na forma, um inusitado nervosismo se tenha apossado de alguns setores do PS e dos partidos que apoiam a solução governativa, ao ponto de esgrimirem publicamente argumentos ideológicos divergentes nos intervalos das convergências de circunstância e do cimento da governação executada ou partilhada. 

Entrámos num patamar superior da luta sobre as heranças, uns na demarcação, outros num esboço de ensaio sobre a divergência pré-eleitoral. O que foi bem feito foi por impulso do Bloco e do PCP; o que não foi realizado é responsabilidade do Partido Socialista. É claro que neste quadro de ensaio e de reposicionamento político haverá cada vez menos espaço para a concretização de alterações estruturais, ainda que necessárias. Espera-se que com tanto foco no passado e no presente, ainda que sem a presença do polo Pedro Passos Coelho, não se esqueçam da necessidade de pensar no futuro, com sentido de sustentabilidade e coesão e com humanismo. Uns e outros, apesar das proclamações mais ou menos ideológicas, acabam por ser sobretudo pragmáticos, como o comprovaram a solução governativa emergente das eleições de 2015 e os sinais políticos mirabolantes da nova e envelhecida liderança de Rui Rio. E em matéria de convergência eleitoral dos desavindos, o PSD dá sempre cartas porque o sentido de sobrevivência política se sobrepõe às convicções pessoais, como o atesta a campanha eleitoral para o Parlamento Europeu em 2014. Teremos no horizonte um combate de titãs da sobrevivência política, à esquerda e à direita. Entre a memória e a carteira, o imediato e o sustentável, a conjuntura vai ter um papel importante nas escolhas dos portugueses. Saber fazer a triagem das narrativas e das aparências é meio caminho andado para que não surjam surpresas – afinal, com tanto pré-posicionamento e posicionamento, o que vai contar mesmo é o sentido de sobrevivência política.

 

Militante do Partido Socialista

Escreve à quinta-feira


Os mirabolantes primeiros sinais da liderança de Rui Rio


Rui Rio prometeu um “banho de ética”, em registo de duche escocês, na linha da gestão autárquica da Câmara do Porto. Um épico caso de divergência entre o valor facial e o valor real


A menos que Rui Rio seja uma espécie de Benjamin Button da política, os primeiros sinais são sintomáticos do perfil de liderança que pretende imprimir como alternativa política à maioria da atual solução de governo. “O Estranho Caso de Benjamin Button” é um filme que resulta da adaptação para cinema de uma história de F. Scott Fitzgerald, sobre um homem que nasce com 80 anos e regride na sua idade: um homem que, como qualquer um de nós, é incapaz de parar o tempo. É que os sinais da nova liderança são quase todos velhos, sem novidade.

O congresso da consagração ensaiou uma pretensa unidade que, tal como noutras latitudes, não se decreta, concretiza-se em muito mais do que um vulgar discurso de reunião magna de Santana Lopes, investido num postiço sentido de responsabilidade. Os silêncios e os anúncios a marcar terreno para futuro foram todos manifestados e não indiciam nenhuma convergência genuína, antes um estado de necessidade até às próximas eleições europeias e legislativas. Já vai sendo tempo de se perceber, na bola, na política e na vida, que há coisas que não se concretizam por decreto, porque o único compromisso que têm é com a democracia e a liberdade.

Do registo do discurso político, sem grandes novidades e enleado em contradições em relação ao passado e ao presente, surgiu a reafirmação da indisponibilidade para um bloco central no atual quadro político, mas uma disponibilidade para um bloco central de consensos em determinadas questões e processos, como acontecerá com a descentralização e o próximo quadro comunitário – duas matérias em que o BE e o PCP não contam para ser solução: um porque quer implodir a construção europeia; o outro porque, para além dessa deriva nacionalista, está contra a transferência de competências e meios do Estado central para as autarquias locais. Dá sempre mais jeito haver razão para protestar do que poder fazer parte da solução.

E nesta matéria dos consensos é muito curioso o sinal dado pela nova liderança: indicou como negociador para o próximo quadro comunitário, Portugal 2030, Castro Almeida, o arquiteto do Portugal 2020, evidente responsável pela embrulhada de regulamentos e afins que levaram a brutais atrasos na sua execução. É caso para dizer que a raposa está a caminho da capoeira, pois nem a galinha dos ovos de ouro conseguiu mobilizar para as eleições legislativas de 2015. Foi um desastre no mapeamento dos projetos e nas prioridades. Foram precisos mais de dois anos para que os nós de Castro Almeida se desembrulhassem alguma coisa. Logo quando o país pós–troika tanto precisava desses estímulos na economia.

Como é sublime o compromisso de solidariedade de Rui Rio com os seus. Com ele, os seus não têm de “lutar pelas suas verdades”, contam com a reafirmação de confiança em conferência de imprensa, mesmo que só tenham passado 48 horas sobre a escolha dos protagonistas em causa. Prometeu um “banho de ética”, está em registo de duche escocês – aliás, na linha da gestão autárquica da Câmara do Porto. Um épico caso de divergência entre o valor facial e o valor real. Mas a opção política de Elina Fraga é mais sintomática. É sinal de que, apesar da enunciada gratidão ao património político de Pedro Passos Coelho, Rui Rio será implacável nos sinais de demarcação do passado, como acontece em relação à justiça de Paula Teixeira da Cruz, com a purga possível no grupo parlamentar ou até com as prioridades às pessoas, à natalidade, à terceira idade, ao Serviço Nacional de Saúde e à escola. Tudo o que foi vergastado sem dó, entre 2011 e 2014, por alguns dos protagonistas de agora, da mesma forma que, noutras latitudes, estão os que configuraram o programa de ajustamento negociado com a troika. 

Apesar das evidentes fragilidades de quem nasceu envelhecido nos protagonistas, nas propostas e no discurso, é de estranhar que, com esse nível de mediania no conteúdo e na forma, um inusitado nervosismo se tenha apossado de alguns setores do PS e dos partidos que apoiam a solução governativa, ao ponto de esgrimirem publicamente argumentos ideológicos divergentes nos intervalos das convergências de circunstância e do cimento da governação executada ou partilhada. 

Entrámos num patamar superior da luta sobre as heranças, uns na demarcação, outros num esboço de ensaio sobre a divergência pré-eleitoral. O que foi bem feito foi por impulso do Bloco e do PCP; o que não foi realizado é responsabilidade do Partido Socialista. É claro que neste quadro de ensaio e de reposicionamento político haverá cada vez menos espaço para a concretização de alterações estruturais, ainda que necessárias. Espera-se que com tanto foco no passado e no presente, ainda que sem a presença do polo Pedro Passos Coelho, não se esqueçam da necessidade de pensar no futuro, com sentido de sustentabilidade e coesão e com humanismo. Uns e outros, apesar das proclamações mais ou menos ideológicas, acabam por ser sobretudo pragmáticos, como o comprovaram a solução governativa emergente das eleições de 2015 e os sinais políticos mirabolantes da nova e envelhecida liderança de Rui Rio. E em matéria de convergência eleitoral dos desavindos, o PSD dá sempre cartas porque o sentido de sobrevivência política se sobrepõe às convicções pessoais, como o atesta a campanha eleitoral para o Parlamento Europeu em 2014. Teremos no horizonte um combate de titãs da sobrevivência política, à esquerda e à direita. Entre a memória e a carteira, o imediato e o sustentável, a conjuntura vai ter um papel importante nas escolhas dos portugueses. Saber fazer a triagem das narrativas e das aparências é meio caminho andado para que não surjam surpresas – afinal, com tanto pré-posicionamento e posicionamento, o que vai contar mesmo é o sentido de sobrevivência política.

 

Militante do Partido Socialista

Escreve à quinta-feira