São, por regra, missões de curta duração e sem muita margem de manobra para conhecer em pormenor as culturas e costumes dos países que visito.
Em bom rigor, o que acabo por conhecer melhor são os trajetos de e para os aeroportos, assim como os trajetos entre reuniões e hotéis. E com base na minha experiência, posso afirmar que, em Portugal, o trânsito é bastante aceitável e os nossos condutores são, por regra, melhores do que os que encontro nos países que visito, assim como os transeuntes que coabitam o ecossistema rodoviário – vulgo pedestres.
Claro que há de haver quem discorde e que ache que o português conduz mal e, sobretudo, tem uma fixação pelas faixas do meio das autoestradas – é um facto! Não conduzimos excecionalmente e temos efetivamente uma fixação por conduzir nas faixas do meio. Mas o que eu digo é que, ainda assim, do que conheço noutras paragens, estamos bem acima da média do bom condutor (se é que existe esta métrica).
No entanto – e isto não é uma teoria comprovada, baseia-se apenas na observação empírica de um viajante –, temos em Portugal três tipos de condutores e transeuntes que não se encontram em nenhuma parte do mundo que já visitei. São eles o implacável, o orçamentista e o projetista.
O implacável é, por regra, um condutor destemido; não olha às consequências, mas mede bem os espaços através dos retrovisores. É também um exímio avaliador psicológico e de personalidade dos restantes condutores e pedestres que o circundam, abusando da boa vontade e passividade dos mesmos. Executa manobras arriscadas cortando, atravessando-se ou bloqueando as vias de circulação a seu bel-prazer. É destemido e arruaceiro, e interpor qualquer pedido de desculpas resulta normalmente num chorrilho de ofensas adornadas por vernáculo pesado e ofensivo. Normalmente, é taxista, mas também há muito condutor “civil” nesta categoria: em regra, dirige um carro rebaixado, com escape de rendimento, e assume uma posição de condução com braço estendido, cabeça inclinada e ar de rufia.
O orçamentista: esta categoria divide-se entre condutores e pedestres. Por norma param ou abrandam a marcha sempre que se cruzam com um sinistro. Limitam-se a fazer avaliações de orçamentos ao custo de reparação dos veículos envolvidos. “Ui… este vai para a sucata!” “Isto é brincadeira para uns cinco mil euros, sem contar com peças.” Indiferentes à agonia emocional dos envolvidos, são obcecados pelos números e, no fundo, escondem uma aptidão inata para peritos de seguro automóvel. Os mais dedicados sugerem, por vezes, uma garagem de bate-chapa na Brandoa que é de um primo de um amigo e que é impecável!
O projetista: este tipo também se encontra nas classes de condutor e de pedestre. É mais refinado que o orçamentista e, na maioria dos casos, pode ter educação superior. Aplica-se mais na teorização dos sinistros e nas variáveis envolventes que potenciaram os mesmos, ou na vertente mais construtiva, que o evitaria. Não se limitam às questões técnicas de engenharia mecânica, abarcando também a topografia e o planeamento rodoviário: “A sinalética deste cruzamento está mal feita!” “O relevé da estrada está ao contrário!”
Ainda hoje de manhã, quando levava as minhas filhas à escola, me cruzei com estes três tipos de condutores e pedestres. Fui quase abalroado duas vezes pelo mesmo taxista e passei por um acidente em que vários carros abrandaram a marcha para ver melhor e um punhado de pedestres, de mãos atrás das costas, tirava as medidas e as estimativas de custo.
São espécimes autóctones nacionais, mas asseguro-vos que é melhor coabitar com eles do que com os condutores de Luanda, São Paulo, Nápoles ou Nova Deli.
Escreve à quinta-feira