Deverá ser mais ou menos consensual afirmar que, junto da população masculina da minha geração, a marca Triumph faz parte do nosso imaginário.
Chegou a Portugal na década de 60 e, quando nas décadas de 70 e 80 começou a inundar-nos com publicidade que exibia modelos femininos em poses arrojadas (que em nada ficavam atrás das atuais victorias’ secret deste mundo), foi assim como que uma pedrada no charco no cinzentismo que era a sociedade portuguesa. Veio lançar um novo alento na moda e na falta de arrojo, generalista, que imperava na população feminina da nossa sociedade de então. É impossível esquecer a irreverência dos anúncios e a beleza das peças que, até então, eram um mistério para a maioria dos homens.
A marca dava cartas, e comprovando a sua genialidade, na década de 80, acompanhando a febre da aeróbica mundial, lançou o primeiro sutiã desportivo.
Lembram-se certamente da marca e, sobretudo, lembram-se da publicidade que a divulgava.
Não estava consciente dos problemas que a marca enfrentava em Portugal e, em bom rigor, o crescimento generalizado da indústria de roupa interior e todo o espetáculo montado em seu torno com o aparecimento de diversas marcas, cada uma mais arrojada que a outra, confesso, fez-me esquecer da existência da Triumph.
Só me dei conta da situação quando, no início da semana, vi uma reportagem na televisão – um direto – em que as trabalhadoras da fábrica de Sacavém se manifestavam à sua porta, em forma de vigília.
As declarações feitas pelas trabalhadoras para as câmaras de televisão em nada divergem das centenas que já vimos noutras situações análogas um pouco por todo país. No entanto, houve uma trabalhadora que cativou a minha atenção. Uma senhora em idade de pré-reforma que, com um ar impassível, no fim da tarja que dizia “SOS trabalhadoras da Ex-Triumph”, tricotava freneticamente uma peça de lã. Estranhamente, nenhum entrevistador astuto se lembrou de perguntar que peça tricotava ela, mas certamente seria uma roupinha para o netinho.
Em poucos segundos, todo o imaginário de jovem que tinha da marca Triumph se esfumou à velocidade a que a senhora do croché tricotava a peça de roupa durante a vigília.
Brincadeiras à parte, até porque o assunto é sério, o meu desejo é que os direitos das desafortunadas trabalhadoras da fábrica Triumph de Sacavém sejam salvaguardados e que tudo corra pelo melhor.
Mas a imagem da senhora do croché é marcante. É como que uma aceitação da inevitabilidade deste tipo de processo que, neste caso em concreto, não deixa de ser estranho. Porquê? Pela simples razão de que, em 2017, a TGI-Gramax (empresa que comprou em 2016 a Triumph Portugal) tinha anunciado um investimento de 1 milhão de euros para modernizar a unidade, que havia fechado o ano com um volume de negócios de 20 milhões. Ora, um ano depois, decide deitar ao lixo esse investimento?
A senhora do croché serve apenas de analogia para lembrar que o problema da deslocalização de unidades industriais é uma realidade, mas não tem de ser uma inevitabilidade.
Tem de haver bom senso, e a solução para evitar estes fenómenos não está nem na passividade nem na combatividade exacerbada dos trabalhadores (como aquela a que temos vindo a assistir na Autoeuropa). O problema da deslocalização é o mesmo há décadas e basta olhar para os EUA para perceber o seu impacto e, pior ainda, os possíveis resultados (dando margem a líderes como Trump).
Este problema na Europa (pois não é só em Portugal que ele existe) tem de ser tratado de forma concertada e regulada. É uma matéria do interesse comum, e não apenas de um ou dois países isoladamente. Desconheço (confesso) se é um assunto debatido com seriedade no conselho da UE, mas se não o é, em defesa das senhoras do croché do nosso país, seria bom que fosse.
Escreve à quinta-feira