A hora H da floresta


Não é por causa dos bombeiros voluntários ou do dispositivo de proteção civil que a floresta tem ardido, ano após ano


Depois da tragédia dos incêndios florestais de 2017, os poderes e a sociedade portuguesa mobilizaram-se para um problema que tinha vindo a ser ignorado ao longo de décadas: as diversas faces do abandono do interior do país. Essa consciência coletiva despertada pelas mortes em incêndios florestais gerou um ambiente favorável à concretização de um conjunto de iniciativas de resposta ao presente e de lançamento de sementes de futuro para uma alteração do panorama florestal e territorial nacional.

A questão central é saber se o governo, o parlamento e a sociedade vão impulsionar uma mudança estruturada e de senso, que seja para ficar e ser sustentada no tempo, qualquer que seja o executivo e a maioria de turno, ou se a vontade política é de fogacho em função das ocorrências passadas e do risco existente. No essencial, é o desafio de qualquer governação responder à espuma dos dias ou construir soluções sustentáveis que perdurem no tempo. Infelizmente, tem-se assistido à colocação na ordem do dia de demasiadas questões simbólicas e à concretização de soluções que procuram responder às pressões das circunstâncias, dos parceiros de solução governativa, e às expetativas que vão sendo criadas pelos níveis de confiança e pelo discurso político. Tudo, sempre num quadro político em que o cumprimento dos compromissos internacionais com Bruxelas e com os credores são pressupostos da ação, em que o Ministério das Finanças exercita uma férrea e amiúde insensível disciplina orçamental e em que são evidentes as modelações da austeridade ainda em curso.

Chegados aqui, com a oposição a clarificar as suas lideranças e posições, este é o tempo da hora H na floresta, mas também noutros setores e medidas que têm sido sucessivamente anunciadas, adiadas ou maquilhadas. É assim com as questões da valorização do interior, da demografia, das alterações climáticas, da descentralização, das funções e do modelo de organização do Estado.

Saber se há vontade política consequente e sustentada para assegurar os recursos financeiros necessários à concretização de medidas de reestruturação da floresta que não tenham apenas em conta as emergências de intervenção do ano de 2018, mas sejam incorporadas permanentemente nas responsabilidades do Estado e da sociedade, num maior equilíbrio entre a prevenção e o combate. Saber se, com senso, estamos a mudar ou apenas a responder em função do desastre de 2017 e das necessidades correntes de 2018. O senso existe nas Florestas, resta saber se o dinheiro necessário para a empreitada permanente é disponibilizado. Não é de senso construir uma ideia de que a responsabilidade de limpeza da floresta, em meses, será das autarquias locais por via da desresponsabilização do Estado central e dos proprietários. Não será de senso adensar a militarização da Proteção Civil, com a evidente marginalização do papel dos bombeiros voluntários e do enorme capital de conhecimento, de competência e de rede operacional existente no plano nacional, regional e local. Não é por militarizarem o comando de um dispositivo que o tornam mais eficaz, sobretudo quando se tornam evidentes os riscos de desmobilização e de implosão da capacidade operacional existente. Sem condições para modelos alternativos, incomportáveis para as finanças públicas, é uma irresponsabilidade prescindir, de facto, da experiência e da capacidade existentes. É voltar a gerar um caldeirão de experiências, sem rotinas de funcionamento. Se as competências são insuficientes? Qualifiquem-se e valorizem--se. Nunca a marginalização, num esboço de atestado de incompetência. Não é por causa dos bombeiros voluntários ou do dispositivo de proteção civil que a floresta tem ardido, ano após ano.

Não é de senso, noutros quadrantes, o despejar de medidas em acosso da realidade negativa como a imposição de limites de 30 quilómetros por hora no tecido urbano ou o controlo da velocidade nas estradas portuguesas com recursos a drones e a helicópteros do INEM quando, muitas vezes, estes ficam em terra ou são insuficientes por falta de recursos. Antes de falarem, convém estudarem as questões e avaliarem as condições materiais de exequibilidade das propostas.

Entre o acosso da realidade e as medidas simbólicas, algumas para distrair as atenções do essencial, a grande questão com a floresta, como com o resto do que é estrutural, está em saber se prevalece uma vontade política sustentada, que mobilize os recursos e a sociedade, ou se as finanças vão impor o crivo que transforma em efémero ou episódico o que deveria ser perene. Ao longo de anos, tem sido essa a sina do Serviço Nacional de Saúde, da educação, da segurança e de tantas outras questões relevantes para a vida concreta dos cidadãos e para os territórios.

A palavra e a ação às finanças, em tempo útil e sem o intricado mendigar de verbas à porta do Terreiro do Paço em que se converteu o ato de governar. Definido o que é para fazer, faça-se. Portugal não pode esperar.

NOTAS FINAIS

LUME BRANDO O “Expresso” é de gargalhada na gestão da informação sobre o saco azul do GES. Vai para dois anos em 25 de abril que o semanário anunciou, no âmbito dos Panama Papers, “lista do saco azul do GES com avenças a políticos e jornalistas”. Em dois anos, de políticos vai-se sabendo qualquer coisinha; de jornalistas, zero. Agora publicaram a lista dos 20 que mais receberam, e dos restantes, onde constarão os anunciados jornalistas, nada. Não há pingo de vergonha para tamanha proteção e desvio ao dever de informar?

INCANDESCENTE Dois anos de Marcelo Rebelo de Sousa, após as viragens políticas geradas pelas autárquicas de 2017, enunciam um quadro em que uma Presidência sintonizada com o povo vai jogar todo o peso da popularidade acumulada. Para o bem ou para o mal, na ótica partidária, quem catalisou o fenómeno político é agora refém do seu exercício. Há muito que Marcelo percebeu; alguns, nos partidos, só com os incêndios e os vetos o descobriram. Não é o diabo, mas é uma popularidade sólida e incandescente. Ao invés do primeiro-ministro que, após o verão, está dependente de terceiros e das circunstâncias para recuperar o que perdeu.

 

Militante do Partido Socialista

Escreve à quinta-feira


A hora H da floresta


Não é por causa dos bombeiros voluntários ou do dispositivo de proteção civil que a floresta tem ardido, ano após ano


Depois da tragédia dos incêndios florestais de 2017, os poderes e a sociedade portuguesa mobilizaram-se para um problema que tinha vindo a ser ignorado ao longo de décadas: as diversas faces do abandono do interior do país. Essa consciência coletiva despertada pelas mortes em incêndios florestais gerou um ambiente favorável à concretização de um conjunto de iniciativas de resposta ao presente e de lançamento de sementes de futuro para uma alteração do panorama florestal e territorial nacional.

A questão central é saber se o governo, o parlamento e a sociedade vão impulsionar uma mudança estruturada e de senso, que seja para ficar e ser sustentada no tempo, qualquer que seja o executivo e a maioria de turno, ou se a vontade política é de fogacho em função das ocorrências passadas e do risco existente. No essencial, é o desafio de qualquer governação responder à espuma dos dias ou construir soluções sustentáveis que perdurem no tempo. Infelizmente, tem-se assistido à colocação na ordem do dia de demasiadas questões simbólicas e à concretização de soluções que procuram responder às pressões das circunstâncias, dos parceiros de solução governativa, e às expetativas que vão sendo criadas pelos níveis de confiança e pelo discurso político. Tudo, sempre num quadro político em que o cumprimento dos compromissos internacionais com Bruxelas e com os credores são pressupostos da ação, em que o Ministério das Finanças exercita uma férrea e amiúde insensível disciplina orçamental e em que são evidentes as modelações da austeridade ainda em curso.

Chegados aqui, com a oposição a clarificar as suas lideranças e posições, este é o tempo da hora H na floresta, mas também noutros setores e medidas que têm sido sucessivamente anunciadas, adiadas ou maquilhadas. É assim com as questões da valorização do interior, da demografia, das alterações climáticas, da descentralização, das funções e do modelo de organização do Estado.

Saber se há vontade política consequente e sustentada para assegurar os recursos financeiros necessários à concretização de medidas de reestruturação da floresta que não tenham apenas em conta as emergências de intervenção do ano de 2018, mas sejam incorporadas permanentemente nas responsabilidades do Estado e da sociedade, num maior equilíbrio entre a prevenção e o combate. Saber se, com senso, estamos a mudar ou apenas a responder em função do desastre de 2017 e das necessidades correntes de 2018. O senso existe nas Florestas, resta saber se o dinheiro necessário para a empreitada permanente é disponibilizado. Não é de senso construir uma ideia de que a responsabilidade de limpeza da floresta, em meses, será das autarquias locais por via da desresponsabilização do Estado central e dos proprietários. Não será de senso adensar a militarização da Proteção Civil, com a evidente marginalização do papel dos bombeiros voluntários e do enorme capital de conhecimento, de competência e de rede operacional existente no plano nacional, regional e local. Não é por militarizarem o comando de um dispositivo que o tornam mais eficaz, sobretudo quando se tornam evidentes os riscos de desmobilização e de implosão da capacidade operacional existente. Sem condições para modelos alternativos, incomportáveis para as finanças públicas, é uma irresponsabilidade prescindir, de facto, da experiência e da capacidade existentes. É voltar a gerar um caldeirão de experiências, sem rotinas de funcionamento. Se as competências são insuficientes? Qualifiquem-se e valorizem--se. Nunca a marginalização, num esboço de atestado de incompetência. Não é por causa dos bombeiros voluntários ou do dispositivo de proteção civil que a floresta tem ardido, ano após ano.

Não é de senso, noutros quadrantes, o despejar de medidas em acosso da realidade negativa como a imposição de limites de 30 quilómetros por hora no tecido urbano ou o controlo da velocidade nas estradas portuguesas com recursos a drones e a helicópteros do INEM quando, muitas vezes, estes ficam em terra ou são insuficientes por falta de recursos. Antes de falarem, convém estudarem as questões e avaliarem as condições materiais de exequibilidade das propostas.

Entre o acosso da realidade e as medidas simbólicas, algumas para distrair as atenções do essencial, a grande questão com a floresta, como com o resto do que é estrutural, está em saber se prevalece uma vontade política sustentada, que mobilize os recursos e a sociedade, ou se as finanças vão impor o crivo que transforma em efémero ou episódico o que deveria ser perene. Ao longo de anos, tem sido essa a sina do Serviço Nacional de Saúde, da educação, da segurança e de tantas outras questões relevantes para a vida concreta dos cidadãos e para os territórios.

A palavra e a ação às finanças, em tempo útil e sem o intricado mendigar de verbas à porta do Terreiro do Paço em que se converteu o ato de governar. Definido o que é para fazer, faça-se. Portugal não pode esperar.

NOTAS FINAIS

LUME BRANDO O “Expresso” é de gargalhada na gestão da informação sobre o saco azul do GES. Vai para dois anos em 25 de abril que o semanário anunciou, no âmbito dos Panama Papers, “lista do saco azul do GES com avenças a políticos e jornalistas”. Em dois anos, de políticos vai-se sabendo qualquer coisinha; de jornalistas, zero. Agora publicaram a lista dos 20 que mais receberam, e dos restantes, onde constarão os anunciados jornalistas, nada. Não há pingo de vergonha para tamanha proteção e desvio ao dever de informar?

INCANDESCENTE Dois anos de Marcelo Rebelo de Sousa, após as viragens políticas geradas pelas autárquicas de 2017, enunciam um quadro em que uma Presidência sintonizada com o povo vai jogar todo o peso da popularidade acumulada. Para o bem ou para o mal, na ótica partidária, quem catalisou o fenómeno político é agora refém do seu exercício. Há muito que Marcelo percebeu; alguns, nos partidos, só com os incêndios e os vetos o descobriram. Não é o diabo, mas é uma popularidade sólida e incandescente. Ao invés do primeiro-ministro que, após o verão, está dependente de terceiros e das circunstâncias para recuperar o que perdeu.

 

Militante do Partido Socialista

Escreve à quinta-feira