Confesso que aguardei com curiosidade os temas que pudessem ser trazidos para debate por Rui Rio e Santana Lopes na campanha interna do PSD. Dito por outras palavras, saber quais os domínios que, no âmbito das suas “moções de estratégia” anunciadas e divulgadas – autênticos programas de governo –, mereceriam destaque para convencer o voto da militância. As campanhas, mesmo quando dirigidas para militantes (por natureza mais acríticos), são uma oportunidade rara para, num ambiente agora tão mediatizado-socializado em rede e num reduto tão pequeno, amplificar um conjunto de assuntos que, de outra forma, ficam escondidos na espuma dilacerante dos dias e das rotinas. É bom de ver que as oportunidades são ainda melhor aproveitadas se for de incluir na agenda as matérias de natureza estratégica e transversal. Infelizmente, olhando para as potencialidades dessas “moções de estratégia” (mais detalhada, segmentada e cirúrgica a de Santana Lopes), uma parte substancial do debate “público” concentrou-se, por ora, em questões políticas internas – que estariam sempre incluídas no cardápio mas, desejavelmente, em modo prospectivo – e até de índole pessoal – que são sempre desnecessárias na exposição da política. Neste momento talvez se justifique, em especial para a ascensão de Santana em face de uma entrada de Rio aparentemente em vantagem. Mas não chega.
É imprescindível apreender os grandes temas de fractura com a governação de António Costa. Um deles é naturalmente o da tutela e promoção da classe média, um assunto muito caro ao PSD interclassista. Se bem recordo, essa foi a grande bandeira de Manuela Ferreira Leite na campanha em que lutou sem sucesso contra José Sócrates. Talvez por isso haja dificuldade em repristinar a causa. Uma causa de fundo que está por arquitectar no país. E que, obviamente, não se basta com as recuperações de rendimentos e a abolição das taxas fiscais extraordinárias. Claro que, uma vez anunciadas e defendidas a reforma/modernização/descentralização do Estado, a modificação da fiscalidade (nomeadamente a empresarial via IRC), uma nova filosofia de ordenamento e coesão do território, o incentivo da natalidade para efeitos demográficos, a aposta na economia social, o crescimento nas novas plataformas da economia e resultante da inovação/conhecimento, as modificações na escola pública, nos hospitais e na justiça, as revisões das reformas e contribuições sociais, todas elas e outras são medidas em que a classe média é protagonista interveniente e motor interessado. Estão lá os pequenos e médios empresários, os profissionais liberais, os vínculos plurais das várias administrações públicas, os professores, os magistrados, os trabalhadores mais qualificados, os prestadores de serviços. Enfim, quem conta em grande medida para o país viver, crescer e ser sustentável. Por isso, estão lá a confiança, a expectativa, a gratificação do esforço e do mérito, a relação equitativa com o Estado (em vez de substituição e amparo do Estado), a comparação justa entre carreiras idênticas ou congéneres (deixada ao abandono em detrimento dos interesses das corporações), o incremento do aforro, o prémio pelo cumprimento na tributação, a dignificação da família, o emprego no contexto da igualdade territorial. Mais uma vez sente-se que a troco da sujeição às políticas do Estado se esquecem os planos de vida da maioria. E o futuro a 10/20 anos, onde está?
É tempo de dar respostas. No fim, será o compromisso nelas que poderá fazer a diferença. Digo eu. Dizemos nós.
Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsulto, Escreve à quinta-feira