Adoções criminosas


O que se passou com as adoções por gente ligada à IURD e eventualmente noutros casos deve ser investigado a fundo. É essencial conhecer toda a verdade sobre mais um caso de incúria do Estado, denunciado pela investigação da TVI


1) Os contornos revelados sobre as adoções (mais propriamente roubos ou raptos) de crianças por dirigentes da IURD são um filme de terror que o jornalismo de investigação da TVI tem posto a nu.

Os casos têm anos, mas não se pode aceitar o silêncio que se tentou e tenta manter sobre eles, tanto do lado da justiça, da segurança social, da classe política como da IURD que parece estar muito bem protegida.

A justiça reagiu, tarde e a más horas, a estas denúncia através da procuradoria-geral da república (sempre a reboque), utilizando a inédita fórmula do apelo à denúncia de novos casos. Falta, porém, que o Conselho Superior de Magistratura decida investigar o quadro da responsabilidade eventual de juízes. Diga-se, aliás, que, face ao que se tem sabido, não surpreenderia que outras situações semelhantes houvesse, com ou sem envolvimento da IURD.

A irresponsabilidade do Estado, a quem compete zelar pela defesa das crianças em situações de abandono e em processo de adoção, não pode passar em claro. Torna-se óbvio que nestas adoções da IURD falharam todos os elos da cadeia, seja por desleixo, incompetência ou interesse. Falhou a segurança social (que de resto falha em tudo há muitos anos, começando por alguns dos seus titulares como é o caso de Vieira da Silva), falharam os juízes e os procuradores que, em vez de mandarem averiguar, deram por certas as informações viciadas que lhes fizeram chegar ou não se aperceberam de certas manobras jurídicas como a circunstância de processos de adoção que não resultaram numa comarca serem substituídos por outros, metidos numa outra distante onde se consagraram adoções antes não validadas. Falharam pessoas, consciente ou inconscientemente, mas sobretudo falhou o Estado (e, portanto, os órgãos políticos), sem que até agora, denunciado o assunto, haja nota de uma diligência judicial, fiscal ou política relativamente à IURD que tem o estatuto de instituição religiosa.

No meio deste escândalo monumental a única coisa que sai bem é o exercício do jornalismo de investigação. Não se ouve um partido a pedir um inquérito parlamentar a tudo isto. Não há nota de que o nosso prolixo presidente tenha falado do caso. E muito menos o governo o fez até agora. Verdade se diga que também não são questionados nas suas múltiplas aparições públicas.

É preciso saber o que se passou com as adoções da IURD, mas também com outras eventualmente ilegais. Mas mais. É preciso saber o que é a IURD e como é que o Estado tolera há anos certas práticas sem que haja notícia de fiscalizações. Só esta igreja tem mais de nove milhões de seguidores no mundo, reúne quantidades astronómicas de dinheiro, controla e produz políticos e detém grandes órgãos de informação (nomeadamente no Brasil) que nos entram casa dentro diariamente, através de uma máquina de propaganda que dispõe de uma equipa de angariadores a que chamam pastores ou bispos.

Em Portugal a vida das crianças desamparadas não é devidamente protegida pelo Estado. Regularmente denunciam-se crimes de violência praticados em instituições que deviam ser cuidadoras. Basta recordar os abusos inimagináveis sobre crianças provados no julgamento do caso Casa Pia com tudo o que de repugnante comportaram. E cabe também lembrar que certas referências a alguns envolvidos foram feitas pela primeira vez através de um jornal, o Tal&Qual, entretanto desaparecido.

A situação atual não tem a mesma natureza e é eventualmente mais complexa. Pode até (absurdamente) confrontar-se com factos prescritos. Mas isso não impede que se investigue, que se conte a verdade e que se aponte os responsáveis por atos ou omissões, a todos os níveis à época, fossem eles juízes, procuradores, advogados, assistentes sociais, responsáveis de lares, parentes comprometidos, adotantes ligados a igrejas ou simples particulares. A verdade tem de ser conhecida porque ela é o bem essencial que resta a preservar, depois de tudo ter falhado.

Casos destes envergonham-nos coletivamente. Para as mães que perderam os filhos de forma ilícita o trauma é insuperável. E também o será para crianças que, hoje, mesmo que tenham sido bem tratadas, são confrontadas com o lado negro de um negócio sórdido que as envolveu como se fossem uma encomenda de catálogo que chega pelo correio. O Estado falhou porque a política não soube cuidar dos mais indefesos. Quem sofreu deve agora ser ressarcido nem que seja para conforto moral. Mas o essencial, além da verdade, é que a história não se possa repetir.

2) Já quase tudo foi dito e escrito sobre as eleições de sábado que vem no PSD. O debate da RTP e os que virão de pouco deverão valer, na medida em que a maioria dos filiados e dos militantes têm geralmente a sua decisão tomada. Se o voto for mais clubístico e emocional, Santana ganhará. Se for mais racional e procurar estabilidade, Rio sairá vencedor. Os partidos à esquerda consideram Santana o adversário mais fácil de derrotar depois em legislativas. À direita o CDS faz figas para Rio ganhar e deixar espaço de crescimento aos centristas. Sábado se verá.

Jornalista