É raríssimo que por estes dias um texto com o superlativo de raro no título não seja sobre o caso da instituição dedicada às doenças raras. Mas este não é, até porque depois da avalancha de dimensões bíblicas que houve sobre isso – como se fosse a coisa mais importante da República -, nada resta para dizer, a não ser pedir um pouco de raríssimo silêncio opinativo. Estas palavras são sobre outro assunto, o chamado caso “Carrilho- Guimarães”. Faz hoje uma semana, saiu uma sentença de um dos processos. Endereçaram-me convites para ir botar opinião sobre o assunto, não estava cá, não podia ir, até só dei pelos convites depois, mas também não teria ido. Aliás, é raríssimo ir, porque não aprecio o exercício, e porque não sei que dizer sobre esses “casos” (e arrenego o “achismo”). Sobre os meus, sei, mas sobre esses não posso dizer mais do que coisas gerais, e aqui e ali, por imperativo de defesa, uma ou outra palavra mais; já que neste país os intervenientes nos casos não podem falar, só podem os que sabem pouco ou nada sobre eles.
E é raríssimo que haja alguém que não tenha opinião. Isto de julgar em casos ditos mediáticos está a ficar como arbitrar no futebol, abundam especialistas e espertos de bancada, e não há quem não se dê ao luxo de ter opinião e de saber dizer, assim numa penada, se a coisa foi bem ou mal decidida. Isto de julgar, na cabeça de cada um, é cada vez mais como twitar ou postar. Olha, carrega, chuta e já está. Assunto arrumado, passa a outro.
E normalmente numa lógica de rebanho e de acordo com um juízo pré-concebido quando o caso caiu nas bocas do mundo. A decisão está de acordo com a impressão maioritária? Bestial, estes tribunais são do melhor que há e só neles podemos ter esperança para salvar a República. A decisão não está de acordo com a impressão da maioria, formada sabe-se lá quando e porquê? Eh pá, então é um escândalo, estes tribunais são uma vergonha, o mundo está perdido.
E é raríssimo – tão raro quanto a capacidade de o cidadão se pôr um bocadinho em silêncio, a pensar e a contemplar, atividades em vias de extinção – que alguém se lembre de vir dizer duas coisas. Uma, que isso de julgar não é assim com base em impressões, e que há que saber porque se decidiu assim ou assado, antes de andar para aí em gritaria opinativa. Outra, mais importante, que esta gritaria emocional e sentenciadora sobre casos mediáticos não é bom para a saúde do ato de julgar, porque quem julga, por muito que queira resistir, pode não ser imune à pressão que resulta de tal gritaria.
E isso é um sarilho, isso sim dá cabo da República. Se fosse para julgar com base em impressões, não tínhamos tribunais, ou fazíamos os processos tipo concurso interativo de TV. Pois é, não é? E depois admiram-se que haja quem, como vi há dias, se levante no tribunal e nada alegue a não ser que o caso tem grande repercussão social (”mediática”, leia-se), e depois se sente com uma nada raríssima sensação de que isso talvez baste. E é raríssimo que eu não me arrepie até aos ossos com isso.
Escreve quinzenalmente à sexta-feira