És sempre dois. Duas coisas. És sempre o melhor e o pior, o fácil e o difícil, a esperança e o drama. És sempre dois. Foste desenhado uma única vez mas por dois lápis diferentes – um lápis serviu para o contorno e outro preencheu o teu vazio. E depois claro vêm os retoques, as cores que te acrescentam, as tuas particularidades, os teus talentos. As tuas cores, que são diferentes das dos outros, com tons únicos e que te tornam particular.
Mas és sempre dois. E o que está dentro de ti também está dividido, fraturado e talvez passes uma vida inteira a tentar juntar as peças. A tentar deixar de ser metade.
Imagina que a alegria ocupa um pulmão e a tristeza ocupa outro. Respiras com os dois porque sentes ambas as emoções. Há momentos na nossa vida em que sentimos as duas coisas. Uma tristeza profunda e uma alegria avassaladora. As duas existem. Coabitam. Uma em cada pulmão, uma em cada sítio, uma em cada lugar. E respiras as duas, simultaneamente, porque uma e outra são reais. São possíveis.
Imagina que a alegria ocupa um pulmão e a tristeza ocupa outro. Imagina o espaço que preenchem, a intensidade que têm, porque as duas são brutais. Quando choras, não sabes de ondem vêm as lágrimas – se do pulmão alegre, se do pulmão triste e acho até que as lágrimas vêm misturadas.
Imagina que a alegria ocupa um pulmão e a tristeza ocupa outro. Sabes que poucos compreenderão a inconstância daquilo que és porque quando te perguntam se estás triste ou alegre, não lhes sabes dar apenas um lado. Não podes escolher apenas uma parte de ti, pois não? Porque as duas metades são tuas. Porque as duas respostas estão corretas e não tens como escolher uma.
Imagina que a alegria ocupa um pulmão e a tristeza ocupa outro. Preferias talvez ter só um. Respirar só com o pulmão triste, devagarinho, com menos fôlego mas, pelo menos, com uma respiração mais regular. Talvez escolhesses ter só o lado triste porque, pelo menos, terias o mais calmo.
Afinal, pode ser mais fácil ser um triste regular do que um alegre instável.
E era assim que ela se sentia naquele Natal. Com dois pulmões diferentes. Não tinha como não transbordar alegria por os ver ali, juntos, crescidos, felizes, preenchidos mas a cada gargalhada deles, o pulmão triste crescia também. Porque a alegria de os ver juntos era tão forte como a tristeza que sentia, por não o ter ali. Porque se ele estivesse presente seria apenas um pulmão, o pulmão alegre que respiraria pelos dois.
Porque eles eram um só.
Vi nos olhos dela cansados, velhinhos, que vivia com dois pulmões diferentes. Percebi que não há nada mais bonito do que respeitar as duas partes de cada um. O alegre e o triste. O bonito e o feio. Não faz mal se eles se confundirem. Não faz mal se a alegria não estiver presente quando é suposto como não faz mal não estar triste nos dias oficiais e e impostos.
És sempre dois. Duas coisas. És sempre o melhor e o pior, o fácil e o difícil, a esperança e o drama. És sempre dois.
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