No país das wonderlands…


PSD e CDS, desancaram o governo. Despudoradamente encavalitados na tristeza e no luto de quem sofreu as tragédias dos incêndios


O título desta crónica tem o seu quê de pleonástico, mas a profusão de iniciativas semelhantes, umas mais wonder do que outras, por todo o país suscita alguma reflexão. A quadra natalícia está sempre associada a festa, a família, a presentes, ao alvoroço da criançada, e por aí adiante. É também propícia à solidariedade sazonal: os deserdados da sociedade, idosos, pobres, sem-abrigo, são lembrados e festejados nesta ocasião. Há convívios, almoços, jantares um pouco por todo o lado. Para quem nada tem por certo estas lembranças até sabem bem, mesmo sabendo que depois da festa volta tudo ao mesmo. O quotidiano ramerrame toma conta do caudal das vidas e quem está nas margens, ou fora delas, fica a ver passar a torrente.

Sem pretender estragar a festa de ninguém e, muito menos, mergulhar no discurso miserabilista e derrotista de quem vê sempre nuvens escuras num horizonte carregado, porque a esses já lá iremos, vêm à tona memórias de um tempo ido, felizmente, mas que deixou por aí resquícios… As práticas assistencialistas do Portugal onde a pobreza era quase vista como virtude – o Portugal do antes 25 de Abril – eram levadas ao ridículo, tal era o desconchavo: na escola, e no liceu, as meninas e os meninos mais afortunados escolhiam um pobrezinho a quem dar uma prendinha de Natal. Era assim como ter um cachorrinho, só que dava menos canseira. O cachorrinho tinha de ser cuidado diariamente, enquanto que o pobrezinho era despachado pelo Natal. E ficava o assunto arrumado.

Ora foi em espírito de festa, gente nas ruas e ornamentações a preceito, num daqueles dias lindos de inverno, frio e céu azul, que aconteceu mais uma investida ao Porto. Desta feita para ver a exposição de Almada Negreiros, “José de Almada Negreiros: desenho em movimento”, pretexto mais do que justificado dada a exuberância e a irreverência da obra deste multifacetado artista da Geração d’Orpheu. Da baixa à parte alta da cidade, nos arredores da Sé, escapando ao bulício natalício, é um gosto escabulhar os recantos mais desimpedidos. Devido a obras de restauro o Convento e Igreja de Santa Clara, bem como a passagem para o que resta da muralha Fernandina, estão interditos, e ali ao pé, ao lado das curiosas Escadas dos Guindais – é o Porto das ruelas escondidas a descer para o rio – o miradouro sobre a arriba, o desarrumado casario agarrado à escarpa, o Douro naquele “timbre pardacento” – in “Porto Sentido”, canta Rui Veloso -, e na outra margem, imponente, o Mosteiro da Serra do Pilar. E as célebres pontes do Porto a fechar o cenário!

Enquanto isso, decorria na Assembleia da República o último debate quinzenal do ano. Como seria de esperar, porque não tomam emenda, os partidos da oposição, PSD e CDS, desancaram o governo. Despudoradamente encavalitados na tristeza e no luto de quem sofreu as tragédias dos incêndios, lançaram sobre o país fumos negros: só desgraças no horizonte carregado!

Claro está, não estão entre os deserdados que ainda não saíram da pobreza. Eles são senhores do país das wonderlands. E no que dependesse deles assim havia de continuar. Por agora têm de se sujeitar à mediocridade, dizem eles, de quem governa. Wonderful!

Gestora, Escreve quinzenalmente