Pegar num não assunto para fazer uma crónica pode ser um exercício divertido para quem a escreve, e o mesmo se espera para quem a lê… O pretexto é a feira dos capões, ou de Santa Luzia, que se realiza a 13 de dezembro de cada ano em Freamunde, freguesia do concelho de Paços de Ferreira. Associada a esta tradição vem a “semana gastronómica do capão à Freamunde”, especialidade culinária muito apreciada por inúmeros gourmands. Capão é um galo castrado – capado, como vulgarmente se diz aqui no Norte, daí o capão –, cuja origem remonta ao tempo da ocupação romana, sendo por isso um galináceo de grande porte e de carne suculenta. Suculenta também é a rivalidade entre Paços de Ferreira, sede concelhia, e Freamunde que se manifesta em picarescos aspetos, diz quem é de lá, mormente os arrufos ligados à propriedade da tradição do capão: pacenses e freamundenses entretêm-se com questões de lana-caprina sendo todos, ao fim e ao cabo, pacenses.
De igual modo, os europeus, e paradoxalmente os pertencentes à União Europeia, entretêm-se com divisões e rivalidades que, para mal de todos, criam fronteiras artificiais num espaço que se pretende comum: zona euro, Norte e Sul, e o mais que venha a calhar. E nem de propósito, vem a calhar que para presidir ao Eurogrupo foi eleito um representante do Sul, no caso o ministro português das Finanças, Mário Centeno. Sabemos bem da relação deste órgão europeu, apesar de informal, com as famigeradas políticas de austeridade e da obsessão pelo controlo dos défices que, associados aos encargos de dividas soberanas mais ou menos especulativos, garroteiam o pretendido desenvolvimento sustentado dos países com economias mais frágeis. Ou seja, dos países do Sul, independentemente da sua grandeza ou influência relativas. Pois bem, se por agora estão mais afastados, se não arredados definitivamente, atores europeus como o anterior presidente do Eurogrupo, o impertinente holandês Jeroen Dijsselbloem, e o insuportável alemão Wolfgang Schäuble – agora a presidir ao Bundestag, o parlamento alemão –, não seria oportuna uma tomada de posição conjunta dos países do Sul? Não será chegada a hora de dar novo sopro ao aparentemente debilitado movimento iniciado na Grécia e que teve continuação em Lisboa, em final de janeiro p.p., a Cimeira dos Países do Sul da Europa? A saber, Portugal, Chipre, Espanha, França, Grécia, Itália e Malta só têm a ganhar em concertar orientação para próximas cimeiras europeias. Passada a reunião de Gotemburgo, a Cimeira Social para o Emprego Justo e o Crescimento, de que muito se espera mas pouco pode acontecer, segue-se já esta semana um Conselho Europeu – 14 e 15 Dezembro – muito importante. Para além das implicações do Brexit, o que dá pano para mangas, estará na agenda a propalada reforma da União Económica e Monetária, que bom seria desse margem de crescimento aos países atormentados pelos modelos que impõem o primado financeirista em detrimento do desafogo dos povos.
Obviamente, não devemos embandeirar em arco pela eleição de Centeno. Mas que ela pode dar azo a que sejam colhidas vantagens… assim os países interessados saibam semeá-las.
E quanto ao capão… quem estiver no Norte pode ir à cata dele em Freamunde.
Gestora, Escreve quinzenalmente