Remodelar, agora e em força


O governo minoritário de Costa chegou ao fim de um ciclo e precisa de novas personalidades na sua equipa para dar um novo rumo à decadência depois de Pedrógão


A celebração em forma de perguntas e respostas dos dois anos do governo do PS cheirou a fim de ciclo. Tentou ser uma manifestação de vitalidade, mas acabou por ser um simulacro de resistência, cruamente traduzida nas faces de enfado de muitos dos ministros. Depois do evento, António Costa confessou-se “cansado”, ainda que “com ganas” de continuar. Não será tanto o timoneiro que dá mostras de cansaço, será antes o próprio governo que exibe desgaste precoce. Como era de esperar, assinale-se, pois ser governo minoritário nestas condições nunca seria empresa tranquila. Trabalhar sempre no pressuposto de olvidar o pecado original – a ausência do mandato resultante de uma vitória eleitoral – causa, naturalmente, saturação, especialmente quando a lua-de-mel com os partidos à esquerda terminou e as bengalas mostram que querem mandar, em prejuízo da concertação de interesses e em favor do primado da reivindicação ilimitada. O certo é que, até Pedrógão, a estabilidade manteve-se, com o mérito político de quem a sustentou e com os méritos de se atingirem os objetivos sedimentados na pacificação social. Depois disso, o governo parece estar concentrado em apagar fogos – desde as tergiversações nas escolas até à descentralização aparentemente sem estratégia (e afundada na precipitação do Infarmed) – e salvar os acordos que (ainda) farão passar o Orçamento para 2018. Não chega.

Aprendemos com Cavaco Silva que, nos períodos de pré-crise dos governos de legislatura, não há como hesitar. Tem de se remodelar. Rejuvenescer. Dar mais política e tirar a menor experiência. Abdicar do técnico (apostado nas Secretarias de Estado) e reforçar a maturidade política. Voltar a governar fora dos gabinetes. Demonstrar atitude e compromisso. E quando chega a hora há que ser frio, racional, implacável. Chegou a hora. Costa tem há demasiado tempo à sua volta demasiados ministros a arrastarem-se, até penosamente. Talvez se pudesse entender que, com oposição descrente à direita, bastassem os mínimos para chegar a 2019 e pedir maioria, desbloqueando o cerco de BE e PCP. Não vai chegar. As restituições chegaram ao limite dos limites, o apagamento do investimento público é dramático, o garrote fiscal não para de aumentar, as cativações não são receita que dure sempre, a exposição à subida externa dos juros é terrível. O país sente que a folga (se é que se pode falar de algo num buraco tão grande como o que país viverá nas próximas gerações: por agora, 126% do PIB!!) se esvanece. Se a filosofia “antiausteridade” está a chegar ao fim, novas pessoas poderão refrescar os lugares e permitir que Centeno possa sair em paz com o serviço ministerial. Celebrando os dois anos, Costa terá pensado que não tem como deixar de remodelar.

Pensemos na Defesa, na Educação, na Justiça, no Planeamento, na Ciência/Ensino Superior. É urgente. Talvez Ambiente, Agricultura/Pescas e Mar. Juntar uma nova equipa, reagrupar Secretarias de Estado e fazer uma estratégia breve para estes dois anos, se possível em algo mais perene e absolutamente honesto com o país. No entretanto, uma equipa que faça “descansar” Costa e o liberte para outros voos. Não é doutrina única, mas será esta uma tese bem possível para um novo rumo e para a batalha com Rio ou Santana. Como Cavaco lembrou, há alturas em que as boleias acabam e cada um tem de pedalar com a sua própria bicicleta.

 

Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsulto, Escreve à quinta-feira