Abyssus abyssum invocat


Dizia-se que o socialismo só durava enquanto havia dinheiro, mas Costa descobriu o ovo de Colombo, e mesmo sem dinheiro na mão arranjou maneira de continuar a acelerar para o abismo


À entrada para a discussão do Orçamento do Estado na especialidade, que será provavelmente (e apesar de tudo) aprovado, não deixa de ser interessante fazer uma apreciação panorâmica sobre o ainda agora renovado e sindicado apoio ao governo, saído da votação da moção de censura, e as suas reivindicações.

A primeira e muito curiosa constatação é que a denominada maioria parlamentar – aquela que se apressaram a identificar como um projecto político absolutamente definido antes ainda das eleições, já que, segundo referem, catalisava em si toda uma maioria (inexplicavelmente) coligada e galvanizada pela derrota das políticas de austeridade mesmo com programas intestinamente incompatíveis entre si – se dá ao espetáculo esquizofrénico de sustentar no parlamento o governo que, afinal, também combate nas ruas.

O que só é mais triste se olharmos para a situação de um governo que nada implementa do seu programa, refém dos seus sitiadores, e a sofrer de uma espécie de síndrome de Estocolmo parlamentar.

Parece, pois, que os bipolares apoiantes da coligação negativa, por estes dias, terão acordado entretanto, com o gosto amargo na boca de terem viabilizado (tal como Gaspar, que tanto criticaram) o seu próprio brutal aumento de impostos (que gerou a maior capitação de sempre, ou seja, o maior valor absoluto de impostos cobrados desde sempre em Portugal), e que o governo, depois de devolver algum rendimento, foi buscá- -lo todo e mais algum através dos impostos indirectos, que penalizam ricos e pobres de maneira igual, desde a gasolina ao açúcar, passando por outros quejandos.

Mas também, para os costumados amantes do investimento público, falamos das execuções orçamentais, em termos desta rubrica do orçamento, como historicamente as mais baixas de sempre da democracia portuguesa.

A dívida externa bate também recordes absolutos e os desequilíbrios da balança de transacções voltaram.

Não contentes, tivemos ainda a esquerda cá do burgo a ser a melhor aluna de sempre da execução orçamental à luz dos Tratados, conseguindo, em termos de défice do Orçamento do Estado, um défice orçamental de fazer inveja a qualquer empedernido neoliberal.

Por último, não é de menos referir que foi o governo das esquerdas unidas quem utilizou da forma mais draconiana e implacável o instrumento das cativações orçamentais, ou seja, a habilidade de orçamentar um determinado número de despesa que depois é cativada, ou seja, não é gasta, permitindo cumprir as metas do défice e fingir políticas expansionistas que a execução nega.

O colapso dos serviços públicos e das funções do Estado passou à condição de mero dano colateral que talvez esteja a acordar depois dos incêndios e da legionela.

As vitórias relativas deste modelo aconteceram, contudo, num cenário que não deve repetir-se com a mesma facilidade para o governo.

Ao mesmo tempo que o executivo acordou do sonho, sucedem-se os tais sinais muito claros de que os parceiros da geringonça acordam, também eles, da letargia que os acometeu enquanto fingiam, ou sonhavam, que a utopia duraria para sempre.

Chegámos ao momento em que os famosos cofres cheios (mesmo no cenário de crescimento económico que permite disfarçar o crescimento real dos impostos directos e indirectos, relacionando-os com a riqueza acréscima, e não com o seu valor absoluto) parecem já não pagar mais nada.

E teremos chegado, a acreditar nas palavras do PM, à altura em que se inverte o ciclo do tudo e do já, em termos de reposições e, acredite-se ou não, já estamos nas reversões das políticas, já não da PàF, mas sim do próprio PS, no que se refere aos congelamentos de carreiras.

Até esta data, nunca tinha sido tão fácil ilustrar o movimento uniformemente acelerado para o abismo que estas políticas de concessão à extrema-esquerda fatalmente iriam criar como com esta decisão de levar o tema das actualizações das carreiras para a próxima legislatura.

E não deixa, aliás, de ser curioso que o enorme incremento de despesa do Estado, anual e repetido, devido às progressões nas carreiras (para já, dos professores, mas que todos os demais vão legitimamente almejar) esteja em discussão quando a reposição dos rendimentos, por exemplo, com o fim da sobretaxa, ainda não é sequer uma realidade absoluta.

O governo, depois de acordar do sonho em Pedrógão, está agora confrontado com a finitude dos seus recursos, em contraposição com a ilimitada abrangência da sua demagogia, e os funcionários públicos (desse ponto de vista, bem) só estão a cobrar o que lhes prometeram.

Ora, a verdade é que os meios do Estado são escassos, o desprezo da esquerda radical pelas obrigações orçamentais europeias, enorme, e os truques que Costa vinha usando estão expostos e não são fáceis de repetir enquanto Bruxelas continuar a olhar com atenção os desvios.

Neste cenário, e como qualquer outro falido, que faz Costa? Passa cheques pós–datados para a próxima legislatura.

Dizia-se que o socialismo só durava enquanto havia dinheiro, mas Costa descobriu o ovo de Colombo, e mesmo sem dinheiro na mão arranjou maneira de continuar a acelerar para o abismo.

E depois? Depois, o último a sair que apague a luz.

 

P. S. Parece que teremos outro ano a fingir que o 25 de Novembro não aconteceu. O PS, ao que parece, desinteressou–se da data. Pelo andar da carruagem, um dia destes, revisionismo é dizer que houve um movimento militar que nos salvou de uma ditadura de trotskistas e marxistas-leninistas em 1975…

 

Advogado na norma8advogados

pf@norma8.pt

Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990