Era inevitável que acontecesse, mais cedo ou mais tarde. Poderia ter sido antes, mas é agora. As sequelas das eleições autárquicas, as dificuldades de gestão do inesperado drama (e sua intensidade) dos fogos florestais (confrontando-nos com um Portugal envelhecido e esquecido) e o complexo trapézio em que se transformou o Orçamento do Estado para 2018 têm encostado António Costa à condição de base: ser governo minoritário e administrador de resistências. E quanto se é minoria, a irresistível tentação é satisfazer a bolsa das maiorias, nomeadamente quando elas deixam de ser silenciosas. Não será o caminho, mas é a tentação em curso. Com muita pressão envolvente.
PCP e BE não querem perder o rumo e aceitar sem luta o papel de irrelevância a que estariam condenados numa futura possível maioria do PS. E mexem os cordelinhos que podem e sabem fora das cadeiras parlamentares e dos gabinetes do entendimento. Era previsível. Os grupos de pressão e os sindicatos saíram da letargia e a campanha de desestabilização e de influenciação até 2019 começou. A Comissão Europeia avisa para a frustração no défice “estrutural” (sempre a “estrutura” em causa), na antecâmara da mudança da política monetária do BCE que tem aguentado os barcos dos países dos extremos. O PSD aguarda nova liderança e o crescimento das expetativas sobre a legitimidade da alternativa. Marcelo não perdoará se for necessário capitalizar as desmotivações, já sabemos. O crescimento induzido pelo turismo avassalador e por nova bolha imobiliária não chega para voltar tudo para trás, correndo o risco de se ter dado uma falsa ideia de que não se pode voltar para trás. A fuga para a frente está em mais Estado e em mais protecionismo pelo Estado, dando a sensação de conforto público que tanto agrada ao país. E de labirinto entre promessas e possibilidades. Uma inevitabilidade?
Não creio. Costa, Centeno e os ministros proeminentes não têm de fugir para um desconhecido já testado. Deveriam estar compelidos a assumir que o limite foi atingido e que há que reprogramar com acerto, para que não se perca novamente tudo como em 2011. Estão em tempo de evitar responder ao seu eleitorado típico e a curto prazo, antes de propor ao país um trilho que sirva a médio e longo prazo e nos tire das conjunturas. Que nos deposite na estrutura. Esta em que é necessário restrição, planeamento, menos recursos alheios, mais reforma com longevidade e perenidade. E comunicar sem ilusões estéreis e sem falsas esperanças. Este seria o momento ideal para se libertarem do jugo à esquerda e da ameaça à direita. Explicar, incentivar, convencer. A hora é dos estadistas. Não é tempo para entrarmos novamente no casino. A bem e sem a corda do enforcado. Sei que nem todos admitem o custo. Mas a corda, quando parte, não tem como deixar de sacrificar.
Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsulto
Escreve à quinta-feira