Sem grande alarde mediático veio a Protecção Civil dizer em defesa da sua – muito conspurcada pela tutela – honra que, antes do fatídico dia 15 de Outubro de má memória, teria pedido o reforço de meios aéreos e humanos, o que o secretário de Estado não teria atendido em toda a extensão.
É difícil, no cenário que se conhecia, e até atento o histórico de Pedrógão, perceber esta posição, e não sei se isto tem qualquer relação com o tal “optimismo irritante” que o PR já identificara ou se seria realmente um primeiro teste à tal resiliência das populações como método de combate aos fogos florestais, que o governo acarinhava tanto, mas que o PR não deixou implementar.
A verdade é que, depois recusados os meios a mais, nova tragédia aconteceu. Desta vez, contrariamente ao prontamente afirmado em Pedrógão, não houve o desplante de se referir que foi feito tudo o que podia ser feito, atentas as situações. Mas não deixou de notar-se o ligeiro agastamento pelo facto de as populações não estarem habituadas a combater fogos sem os bombeiros…
A verdade é que, ainda que tarde, esta notícia vem desmentir, e muito, a simples responsabilidade orgânica da Protecção Civil, que (ainda que pareça apesar de tudo escassa, atentos os resultados e proporções desastrosas dos incêndios) havia solicitado ao MAI a contratação de mais 100 operacionais e 200 horas de meios aéreos para aquele referido mês.
Pelo que é hoje, perante estes factos, óbvia a responsabilidade política da MAI, que entretanto se demitiu, mas que o PM queria manter para simular uma proto- -remodelação. E lidos à luz destes factos, os dois seráficos e cínicos discursos de Costa imediatamente seguintes aos trágicos incêndios podem bem ser o espelho do seu carácter e da sua humanidade.
É profundamente inquietante, mas igualmente revelador, que ninguém tenha vindo a público desmentir que, efectivamente, o pedido de reforço de meios, motivado pelas excepcionais condições meteorológicas daqueles exactos dias, existiu e foi recusado e que isto seja menos importante que um jantar numa necrópole qualquer, para onde se distraem as atenções.
É, aliás, difícil de compreender, uma vez decretado o fim da austeridade (pelo menos a directa), que haja um país que aumenta generalizadamente todos os funcionários públicos, mas que recusa à protecção de pessoas e bens os meios necessários a acorrer às condições de excepcional perigosidade que os seus serviços anteviram. No quadro anterior à salvífica coligação pós-eleitoral, isso seria uma inconsciência e uma irresponsabilidade e de um “austeritarismo” insuportável, criminoso e assassino. Agora motiva silêncio cúmplice.
Aproveitemos, pois, a ocasião para devolvermos um julgamento preliminar a estas políticas da coligação das esquerdas unidas que se propôs acabar com a tal “austeridade que mata”.
É que foi sendo próprio da comunicação sobre os importantes feitos deste governo ter conseguido o fim da austeridade e a devolução dos rendimentos, com o cumprimento das metas europeias. Mas nunca se dissertou muito sobre o preço. E já não falamos do aumento espectacular e criação de novos impostos indirectos e cegos.
Já que, a acreditar nos parceiros de coligação, parece que o governo bateu todos os recordes das cativações orçamentais, sendo factual que o orçamento do combate aos incêndios foi inferior, em largos milhões de euros, aos do tempo do resgate financeiro, e poderá faltar ainda reconhecer aqui o eventual efeito das cativações.
Das novas políticas pós-austeridade fica-nos o resultado estrondoso, que neste caso é que nunca, em Portugal, morreram tantas pessoas queimadas nos fogos florestais num só ano.
E, por isso, seria interessante que, na sequência destas notícias, alguém tivesse confrontado o governo sobre a razão pela qual recusou o aumento de meios pedido pela Protecção Civil e esclarecido se, eventualmente, tal terá sido uma daquelas decisões políticas tomadas no sentido de combater a “austeridade que mata” na nova fórmula. E, já agora, pedir ao PM um comentário sobre os resultados obtidos!
Quer parecer-nos (naturalmente, e como de costume, a responsabilidade de alguém aguardará um qualquer relatório que ainda não chegou e a responsabilidade política só existe se o PR decretar) que a origem do problema das novas cinco mortes às mãos do Estado e da mais de meia centena de infectados com legionela num hospital do SNS poderá estar na mesma linha das causas mediatas.
Os surtos de legionela, em casos como o presente, costumam estar associados a falta de manutenção e conservação dos equipamentos onde as bactérias se instalam e reproduzem.
No actual estado, volume e antiguidade das dívidas do Serviço Nacional de Saúde, desconhecendo-se, é certo, se será este o caso, ainda assim, será de supor que muitos fornecedores de serviços, como os de manutenção, já não estejam a prestar serviços ao Estado relapso que aumenta funcionários mas não paga aos credores a tempo e horas.
É evidente que, idealmente, todos os trabalhadores públicos e privados devem, se possível e razoável, ser aumentados; no entanto, para além dos impostos e taxas e demais receitas cobradas de acordo com o princípio da legalidade, parece (no mínimo dos mínimos) discutível, e na realidade roça o vergonhoso, que o atraso nos pagamentos aos fornecedores privados possa ser fonte de financiamento do SNS.
E é por isso que é provável que outros casos como estes venham a repetir-se um pouco por todo o lado onde a qualidade dos serviços ou a manutenção dos equipamentos decaem para níveis terceiro-mundistas por falta de pagamento a fornecedores, como acontece também nos transportes públicos, nas cantinas escolares, nas Forças Armadas e em tantas outras áreas.
Ou seja, do julgamento sumário do importante movimento que se uniu para acabar com a antiga austeridade que mata resulta uma sentença onde se lê, afinal, uma vergonhosa lista de vítimas desta estranha, e aclamada pelo silêncio cúmplice, novel arte de “geringonçar”.
Advogado na norma8advogados
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Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990