Passou praticamente despercebido o 140.o aniversário da Ponte Maria Pia – foi inaugurada em 4 de novembro de 1877 – sobre o rio Douro, ligando o Porto a Vila Nova de Gaia. Ou melhor, ligava as duas cidades porque, depois de desativado o trânsito ferroviário, em 1991, a ponte continua lá mas não liga coisa nenhuma. Apesar de classificada como monumento nacional, em 1982, pelo Instituto de Gestão do Património Arquitetónico e Arqueológico (IGESPAR), a ponte de ferro, projetada por Théophile Seyrig, do gabinete de Gustave Eiffel, está votada ao abandono das silvas, mesmo depois de vários anúncios de projetos caídos no esquecimento. E assim promete continuar.
Em contraponto, a Ponte de Avignon, descendente direta da Ponte Saint-Bénézet, presumivelmente construída no séc. xii e sucessivamente destruída, terá tomado o nome atual após variados trabalhos de reconstrução terminados no séc. xvii. Desde então, a ponte continuou a sofrer tratos de polé e, depois de mais umas tantas guerras e intempéries, chegou aos nossos dias com o selo de património mundial da UNESCO e apenas quatro arcos dos 22 que terá tido na origem. Se a ponte se tornou mundialmente conhecida pela cantiguinha infantil “Sur le pont d’Avignon”, que muitos de nós cantámos, o certo é que hoje é uma atração turística da monumental cidade de Avignon, que tem muito mais e melhor para ver do que a ponte. Não obstante, esta não foi deixada ao abandono. Pelo contrário, é uma bizarria caminhar sobre uma ponte que só chega a meio do rio, o Ródano, e não leva a lado nenhum. Escusado será dizer que a envolvente está devidamente tratada e equipada para atrair visitantes.
Posto isto, é gritante a diferença de tratamento dedicado a monumentos nacionais em França ou em Portugal. Correndo embora o risco próprio das generalizações apressadas, amiúde falhas de conteúdo, certo é que a cultura do descaso portuguesa leva de roldão tudo quanto se afigure dispensável, sem que isso signifique, regra geral, que a menos-valia tenha sido devidamente calculada.
Avignon é uma cidade muralhada, cingida por aquela que é a segunda muralha mais extensa do mundo, a seguir à Grande Muralha da China. Se o tamanho a torna famosa, a espetacularidade dos muros de pedra lavrada não é de somenos. Outrora cidade papal, no período também conhecido como “Cativeiro de Avignon” (1309-1377) e que viria a ficar na história como causa próxima do Grande Cisma do Ocidente, Avignon foi guindada a capital da cristandade, de que é testemunha o colossal Palácio dos Papas, sumptuosa edificação gótica. É igualmente testemunha da opulência de uma Igreja Católica conluiada com poderes temporais autocráticos, através dos tempos. Coisas do passado… oxalá!
O Porto é de origem burguesa, sacrificou a outras grandezas, ganhou o cognome de Cidade Invicta. Além do mais, está na moda, provam-no os prémios europeus de turismo, e a silhueta das pontes sobre o Douro é sua imagem de marca. Queda-se no dar nas vistas e descuida-lhes o estado. No que está bem acompanhado, local e nacionalmente. Indiferente, a velha senhora, a Ponte Maria Pia, ela que é de ferro, está de pedra e cal. Até um dia…
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