Contra o desinteresse


A abertura do PSD, liderado por Rio ou Santana, será a chave para se vencer a modorra no “centro-direita” e ambicionar-se uma luta nivelada com o PS de António Costa


Vivemos tempos de desinteresse: pelo bem comum, pela causa pública e pelo primado comunitário. O individualismo e o egoísmo, ainda que vividos em colectivo, potenciam ao limite o afastamento dos cidadãos da política e dos seus actores. Com a excepção primordial da solidariedade com a tragédia e o drama, como se demonstra agora de forma admirável com as privações extremas dos fogos – temos um povo único e singular na dádiva, na comunhão, na ajuda e no compromisso. Ou da reunião de muitos aquando dos sacrifícios dos tempos do resgate – temos um povo sensível aos direitos adquiridos e às desigualdades crescentes. Reage-se e age-se, porém, no limite do abismo. O associativismo, que evoluiu muito nas últimas décadas, é, todavia, ainda incipiente na maioria dos sectores e, até, rudimentar ou inexistente. A criação de redes alternativas às corporações instaladas é superior à inacção do passado mas não consegue lutar eficazmente contra os paradigmas enraizados. Há movimentos políticos autárquicos relevantes, até vencedores, porém sem viverem para além dessa conjuntura eleitoral e temporalmente limitada. Vê-se integração militante em sindicatos, grupos patronais e comissões laborais, contudo há demasiado alinhamento para haver coerência e perseverança. O distanciamento generalizado converte-se as mais das vezes em desistência: os poderes da administração pública dificultam, o funcionamento judicial desespera, as burocracias e as incompetências frustram, as barreiras à mobilidade e à ascensão fora das influências da praxe esmorecem, as diferenças de acesso e ascensão entre o litoral e o interior conformam. O desapego instalou-se.

Esta cultura de desinteresse propagou-se às elites políticas. Deixou de haver tanto recrutamento exógeno e concentrou-se a subida endógena dentro dos partidos. Uma perversão que afectou a qualificação (e a ânsia dos aparelhos por “canudos” rápidos…). Sempre houve esse cruzamento, por exemplo, nos governos e nas equipas ministeriais, que conjugam domínio político acumulado com aptidão técnica e especializada. Aos poucos foi-se perdendo esse equilíbrio e surge um problema de sistema. Não fôra esta patologia, estou certo que o combate político em curso para a liderança do PSD, entre Rui Rio e Santana Lopes – numa espécie de “segunda vida” para ambos –, seria uma grande oportunidade de aproximação para muitos à política. Dois homens que o país conhece, diametralmente opostos em muitas perspectivas e definidores de rumos diferentes (dentro do mesmo partido). Dois homens que se propõem mudar o estado do regime e que poderiam fidelizar vontades e chamar estímulos, muito para além do partido. Quando um – como Rio – sustenta a reforma do sistema político-constitucional, a alteração de princípios de funcionamento da estrutura judiciária e a longevidade a prazo da recuperação das contas públicas e do investimento público, o jogo clarifica. Quando outro – como Santana – anuncia a prioridade da redução dos contrastes sociais e a importância da coesão territorial para o crescimento económico, as linhas no campo ficam mais visíveis. E o interesse por este debate, onde está?

António Costa aproveitou o desafio a Seguro para abrir o partido e só assim pôde criar algumas das condições para o sucesso da sua estratégia, nomeadamente o acordo à esquerda que tanto surpreendeu os adversários. Revoltou-se contra o desinteresse. Se Rio e Santana não almejarem nem conseguirem essa abertura, ambicionar o lugar de Costa tornar-se-á mais difícil. Em suma: se não abrirem de dentro para fora e não combaterem a modorra no (chamado) centro-direita, fica mais inverosímil o sucesso das ideias. Se bem vejo, essa será a chave para a história.

 

Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsulto.

Escreve à quinta-feira