1) Em Pedrógão falharam o sistema operacional, o combate, a decisão, a competência, e o resultado foi trágico, com 65 mortes que aconteceram numa circunstância precisa e localizada. Foi gravíssimo mas, de certo modo, imprevisível, até pelo somatório de incompetências apuradas entretanto e que ninguém imaginava.
Já os fogos que no fim de semana mataram 41 pessoas, pelo menos, foram combatidos sem erros graves aparentes, segundo os especialistas e os leigos.
Mesmo assim falhou muita coisa estrutural, começando pelo essencial alerta que era necessário ter dado muitos dias antes – todas as previsões apontavam para o perigo potencial do que efetivamente aconteceu. E, no entanto, os operacionais, as forças de segurança, o governo e os muitos parlapatões que há, incluindo nos media, não vieram para a rua gritar um sonoro alerta para que todos os meios estivessem mobilizados, aconselhando e até impondo medidas de proteção às populações, afastando-as e retirando-as das zonas de perigo potencial, ao jeito do que se faz perante um alerta de mau tempo. A tragédia de há quatro meses em Pedrógão foi diferente, mas deveria ter servido ao menos para que a de domingo não tivesse ocorrido de forma tão violenta.
Os últimos dias confirmaram que a ministra da Administração Interna não tem condições políticas nem psicológicas para se manter em funções. António Costa não lhe retira a confiança eventualmente por solidariedade, mas sobretudo (há que dizê-lo) porque isso o colocaria na primeira linha de uma responsabilidade da qual quer fugir porque ele próprio esteve na Administração Interna e tomou medidas no mínimo discutíveis que se perpetuaram até hoje. Costa falou terça-feira e pouco ou nada disse a não ser repetir que agora é que vai ser porque há um relatório de sábios que aponta tudo o que há por fazer, acenando com um conselho de ministro especial para sábado que, aliás, estava estafadamente anunciado.
À hora do envio desta crónica faltava ouvir o Presidente da República, que tem a obrigação e poderes suficientes para pôr ordem na casa, deixando de ser macio como foi até aqui, confortando os atingidos mas desculpando as falhas. Este é, para Marcelo, um momento decisivo.
No campo estritamente partidário, cada um reagiu como se previa, com o CDS ao ataque, o PCP a fazer exigências, o Bloco a sussurrar umas coisas e o PS numa defesa difícil, remetendo as culpas para um passado que também foi dele. Passos Coelho está numa situação complicada e retraiu-se. Percebe-se, mas é bom que tenha consciência de que até ser substituído é ele o líder da oposição, por muito bons que possam ser os seus deputados.
2) O que está em causa na disputa pela liderança do PSD é saber quem é a alternativa a António Costa para chefiar o governo, e não apenas quem vai chefiar o partido. Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Embora se trate de eleições limitadas a militantes, é importante que cada um escolha em função de um perfil nacional, deixando as guerras de caciquismo de parte e afirmando livremente a sua escolha em função do interesse do país.
Tudo o que não seja escolher em função disso é entrar no jogo dos lugares que existem à babugem dos líderes, mesmo que estejam na oposição, sobretudo num partido da dimensão do PSD, que tem um peso enorme, cabendo-lhe sempre uma simpática fatia do bolo do poder.
Tanto Rio como Santana são experientes e foram excelentes presidentes de câmara do Porto e de Lisboa, respetivamente. As semelhanças acabam aí. No resto são diferentes em tudo e sobretudo nos percursos de vida pública e pessoal. Rio é mais moderado e nunca esteve no governo, mas tem uma vida profissional bem-sucedida. Santana é mais liberal, mais instável, foi reconduzido na Santa Casa por António Costa e já foi secretário de Estado da Cultura e primeiro-ministro, numa experiência que correu pessimamente e abriu portas ao socratismo e à falência de Portugal. Tem ainda responsabilidades indiretas na situação do PSD por não ter aceitado o desafio de ir à Câmara de Lisboa, invocando precisamente o compromisso de provedor que agora renega. Há cerca de um ano, a hipótese de ele avançar para o PSD foi equacionada neste espaço, precisamente num cenário pós-autárquico. Santana, no fundo, parece querer ajustar contas com o seu próprio passado e os erros que cometeu. Mas o tempo não voltará para trás, mesmo que ele regresse à liderança do PSD. O povo social-democrata tem por Santana um certo fascínio que, aparentemente, não tem por Rio. Para vencer, Rio tem de convencer diretamente os eleitores partidários, influenciando simultaneamente o ambiente social em que estes evoluem e que, naturalmente, os condiciona direta ou indiretamente através dos media e das redes sociais.
Jornalista