São João do Peso. Onde a democracia volta às origens

São João do Peso. Onde a democracia volta às origens


A desertificação bateu à porta de São João do Peso em 2013 e, desde então, as decisões políticas passaram a votar-se numa sala com todos os eleitores da freguesia


Reza a história que na Grécia Antiga, por volta do ano 500 a.C., os homens adultos, com idade superior a 30, começaram a juntar-se com o intuito de decidir o rumo da cidade e acabar com a tirania existente. Cada homem, um voto, e cada voto, uma opinião. As bases da democracia nasciam na cidade de Atenas.

Desde essa época até à atualidade, a democracia foi-se adaptando e, hoje em dia, em Portugal, o sistema democrático implementado é representativo e os cidadãos maiores de 18 elegem representantes para salvaguardarem os seus interesses nas assembleias, quer a nível nacional quer a nível local. Há exceções: segundo dados da Comissão Nacional de Eleições (CNE), existem seis freguesias em que a democracia não é representativa, mas sim direta.

Porque existem estas exceções? Dita a legislação eleitoral que “nas freguesias com 150 eleitores ou menos, a assembleia de freguesia é substituída pelo plenário dos cidadãos eleitores”, e é nos plenários de cidadãos que se decide tudo sobre a freguesia. Eleições, orçamentos, prestação de contas… Tudo é levado à decisão dos eleitores e todos têm direito a votar as propostas em discussão.

Fajãzinha, Lajedo, Mosteiro, Caveira, Cedros e São João do Peso são as seis freguesias que nestas eleições fazem parte da lista de freguesias com menos de 150 eleitores, e nenhuma é nova nesta prática. Já nas autárquicas de 2013, as mesmas freguesias elegeram o executivo através de plenário de cidadãos. As primeiras cinco localizam- -se na ilha das Flores, Açores – São João do Peso é a única em Portugal continental.

Situada no concelho de Vila de Rei, distrito de Castelo Branco, São João do Peso é conhecida por ser a terra natal do escritor José Cardoso Pires. Tem 13 quilómetros quadrados de área, uma praia fluvial, um lar, um cemitério, uma igreja, uma mercearia, um parque infantil, dois cafés, um táxi, cinco crianças e 124 eleitores.

Mas como funcionam as eleições neste caso? No resto do país, os eleitores são convidados a votar nas urnas no dia 1 de outubro; em São João do Peso, a eleição acontece mais tarde e em grupo. “Passadas duas semanas [das votações] vamos fazer um plenário de cidadãos onde serão apresentadas candidaturas” ao lugar de presidente, que “serão votadas” a seguir, explica Rosário Cavalheiro, atual presidente da junta de freguesia e do plenário, e recandidata.

Os eleitores que escolhem o representante são os mesmos que votam todos os assuntos que à junta dizem respeito durante o mandato. Se, entretanto, um jovem atingir a maioridade, só poderá ingressar no plenário de cidadãos nas eleições seguintes.

Para este sufrágio, a convocatória ainda não foi feita, mas Rosário explica o processo: “Geralmente, para não gastar dinheiro, eu entrego as convocatórias em mão. Mas o que a lei diz é que tem de ser por carta registada e tem de se fazer as devidas publicitações no edital.” As cartas são escritas pela própria presidente, que apenas tem um funcionário “que entrou para a junta como coveiro”, mas agora vai fazendo outros trabalhos como assistente operacional.

Até agora, Rosário não sabe se vai ter concorrência na corrida porque, durante o plenário, “as pessoas que sejam recenseadas poderão dizer que estão interessadas em serem votadas” e apresentar o programa. Também nessa reunião é feita a eleição da presidência do plenário.

“Eu apresentei uma lista de 13 pessoas, mas isso foi uma exceção porque eu poderia chegar ao plenário e apresentar.” A lista encabeçada por Rosário Cavalheiro foi apresentada em conjunto com a lista do PSD que concorre ao município de Vila de Rei, com o atual presidente, Ricardo Aires, à frente. No entanto, nestas freguesias não são precisos partidos nem criar movimentos independentes.

“E já fizemos campanha!” De porta em porta, o presidente da câmara e a presidente da junta afixaram cartazes, distribuíram panfletos e ainda ofereceram pequenas lembranças às pessoas, “umas lapiseiras, uma caixinha para pôr os comprimidos, o sr. presidente deu [aguardente de] medronho a cada pessoa”.

Apoio da Câmara A freguesia de São João do Peso fica a 12 quilómetros de Vila de Rei. “A junta está aberta uma vez por semana para as pessoas se quiserem lá ir expor os seus problemas, tirar alguma fotocópia ou pedir ajuda para alguma situação”, esclarece a presidente, mas sobre as decisões tomadas nos plenários, Rosário Cavalheiro explica que faz chegar ao “sr. presidente da câmara as ideias para também alguma ajuda.”

“Nós fizemos um acordo de cooperação e o município dá- -nos anualmente um subsídio no valor de nove mil e poucos euros”, explica a presidente, enquanto exemplifica outros apoios da autarquia: “Por exemplo, agora andei a pintar o gradeamento do parque infantil, pedi ao presidente, e ele confirmou e contribuiu com tinta. E, às vezes, é preciso cimento para isto ou para aquilo, e ele também contribui.”

Semanalmente, a câmara disponibiliza também um autocarro para transporte dos habitantes de São João do Peso para Vila de Rei.

“A falta de dinheiro para fazer coisas é sempre o velho problema”, desabafa a presidente da junta. O que os habitantes mais reivindicam nos plenários é a limpeza dos acessos às propriedades e à floresta, também conhecidos como estradões. “As pessoas ficam um bocado tristes ao verem as propriedades a encherem-se de pinheiros”, explica, relembrando o tempo em que os terrenos eram cultivados, mas com o envelhecimento da população foram ficando por semear.

O apoio do presidente da câmara e do PSD tem, para Rosário Cavalheiro, um “impacto positivo”. “Como deve calcular, aqui no interior, a maior parte é PSD e a população é envelhecida, mas tem impacto”, acrescenta.

Presidente da mudança Em 2013, São João do Peso desceu pela primeira vez abaixo do limite mínimo dos 150 eleitores, indo a eleições com 149. Rosário Cavalheiro já tinha sido presidente no mandato anterior e fez a transição da democracia representativa para a democracia direta. “Há oito anos éramos 150 e tal, em 2013 é que foi essa situação”, conta Rosário, desiludida com a “desertificação que existe”. “Aqui, os jovens também não têm nada de apelativo para se fixarem, o que se torna um bocadinho constrangedor.”

Foi em 2009 que Rosário Cavalheiro se candidatou pela primeira vez à junta de freguesia. “Em 2005 entrei como tesoureira”, conta, enquanto explica que é funcionária pública há 26 anos e que trabalha na autarquia de Vila de Rei.

“Antes éramos sete pessoas que decidíamos os assuntos; agora, no plenário, debate-se mais um bocadinho, as pessoas que estão na plateia dão a sua opinião e é bom. Assim também sabemos a opinião do povo,” explica.

Desde 2013, São João do Peso perdeu 25 eleitores, há pessoas que falecem ou que acabam por mudar-se. “Porque se juntaram e casaram e compraram casa, tiveram de se mudar daqui para terem isenção do IMI”, conta Rosário. “Agora nasceu uma [criança] em maio. Não sei há quanto tempo não nascia cá ninguém”, acrescenta, entusiasmada com a ideia de que a freguesia pode voltar a crescer.

No manifesto eleitoral, Rosário não pede muito, apenas “pequenas coisas”: gostava de poder criar um gabinete de apoio aos idosos, “apoiá-los se precisassem de ir a uma consulta, ir às compras”, gostava de reabilitar uma casa pertencente à junta de freguesia e “arrendá- -la a pessoas que quisessem vir cá de férias” e gostava de melhorar a freguesia, em particular arranjar o espaço ao pé da igreja onde as “árvores levantaram o pavimento”.