Passos em falso


Como era inevitável, Passos caiu, mas não foi o único derrotado de umas autárquicas que trouxeram dores de cabeça potenciais ao vencedor


1) Na política, quem com ferros mata, com ferros morre. Passos Coelho sentiu isso na pele depois das humilhantes derrotas em Lisboa e no Porto, que o obrigaram a anunciar que não volta a candidatar-se à liderança do PSD, para alívio das estruturas do partido. O líder do PSD não tinha outra saída, uma vez que o partido perdeu onde ele decidiu e aguentou-se onde ele não se meteu. A sua retirada não é nada que ele não tenha exigido a outros que não tinham feito pior figura, antes pelo contrário. Mas adiante. O PSD vai agora escolher um sucessor, perfilando-se Rui Rio, que não deverá correr sozinho. Rio tem a vantagem de ser o único social-democrata duplamente capaz de ambicionar ganhar legislativas ou de poder protagonizar um bloco central com António Costa, com quem sempre se deu bem, se a geringonça se desfizer depois de legislativas. Existe, entretanto, uma alta probabilidade de alguém ligado a Passos Coelho poder avançar também. Luís Montenegro é, nesse caso, o nome mais indicado, embora seja um equívoco julgar que ele é um mero sucedâneo de Passos, como o demonstra uma longa, difícil mas competente liderança parlamentar em circunstâncias especialmente adversas, com a troika cá e com um país devastado pela louca governação de Sócrates. Outros cenários estão, porém, em aberto, desde o sempre pré-anunciado regresso de Santana até ao aparecimento de um jovem, do tipo Pedro Duarte, um próximo de Marcelo, nem que seja para marcar uma posição para o futuro. Os jogos não estão feitos, apesar das aparências. Mas uma coisa é certa: o PSD está a passar por uma das maiores crises das muitas que já sofreu. Mas, hoje, os dias são diferentes e os partidos tanto existem como desaparecem, como se tem visto por essa Europa fora.

2) Se dependesse da vontade pessoal de António Costa, a derrota do PCP não teria sido tão severa. Isto porque é inevitável que os comunistas se distanciem gradualmente da solução governativa, que boa parte do partido nunca apreciou. Cunhal bem sabia que, para os comunistas, o grande adversário político são os socialistas. Por isso visou sempre Mário Soares. Por outro lado, o resultado autárquico, com o PCP a perder dez câmaras (mais do que o PSD), faz com que Costa possa conquistar facilmente uma maioria absoluta em eventuais legislativas. Todavia, para Costa, o tempo agora é de tentar levar a geringonça até ao fim da legislatura, a bem da estabilidade política, da imagem externa de Portugal nos mercados e de uma essencial paz social. Por isso, é natural que o PS faça com pinças a gestão deste complexo quadro à esquerda, proclamando que só quem perdeu foi o PSD. No entanto, há que dar algumas compensações ao PCP e à CGTP, o que pode desequilibrar as contas de Centeno. É a hora da política pura, na qual Costa mexe como poucos.

3) Assunção Cristas triunfou na noite eleitoral, mas no rescaldo viu-se que, afinal, foi praticamente só Lisboa que safou o CDS e por óbvia culpa de Passos Coelho. Seja como for, Cristas está para ficar. Foi até engraçado ver a rapidez com que os “cartilheiros” do comentário político logo proclamaram o fim de Portas. Talvez seja. Mas sobretudo foi o fim de eventuais aspirações imediatas de Nuno Melo.

4) O Bloco foi claramente derrotado nas eleições. Aos poucos vai entrando na bolsa marsupial do PS, vai-se acomodando, tornando-se até um defensor de grandes interesses económicos, como está à vista com os seus ataques ao alojamento local, que tanta gente nova sustenta. Quando se ouve Mortágua berrar contra esta atividade, sente-se a defesa de grandes grupos que salivam por esse mercado. O argumento das rendas mais baratas é mera treta para pacóvios. Agora que têm um vereador, os bloquistas que imponham à Santa Casa e à própria câmara a colocação direta do património ao dispor de quem não tem casa.

5) Quando operam no estrangeiro, as empresas portuguesas têm a dupla obrigação de ter um comportamento ético irrepreensível, dado que, além de si próprias, representam o nosso país.

Vem isto a propósito de um episódio que se arrasta, envolvendo o banco da Caixa Geral de Depósitos em Angola (Banco Caixa Geral Angola) e a Ictech, uma pequena empresa de consultoria e auditoria tecnológica de antigos quadros dirigentes da PT.

Na sequência de uma consulta aos mercados angolano e português, a Ictech foi contratada para fazer uma consultoria/auditoria a todo o sistema de comunicações do banco angolano, tendo o trabalho decorrido normalmente e sido entregues os relatórios finais, como estipulado contratualmente.

Por exigência do então administrador financeiro do banco angolano, Carlos Amaral, que entretanto foi dispensado da gestão, o contrato de prestação de serviços prevê uma cláusula de success fee para remunerar uma parte do trabalho executado. Isto é, após um pagamento inicial, ficou estabelecido no contrato que o remanescente ficaria agregado à tal remuneração variável. Pelas contas da empresa, a valores de 20 de setembro de 2016 (comunicados em devido tempo ao banco!), a dívida do Caixa Geral Angola à empresa portuguesa ascende a 362 mil dólares americanos, o que é muito dinheiro para uma pequena empresa constituída com recursos e poupanças dos seus sócios, que confiaram que, na Caixa, o malparado só estava do lado dos clientes maus.

Seria bom que a Caixa, em Portugal ou em Angola, resolvesse este assunto para não se poder ficar com a ideia de que o banco é mau pagador.

 

Jornalista