Tancos e a investigação criminal


Os investigadores da PJ, competentes e experientes, não têm um prazer especial em prolongar as investigações que realizam, pois muitas outras esperam a vez de serem trabalhadas


Há cerca de um mês, um semanário de grande circulação noticiava sobre o assalto à base militar de Tancos e. num subtítulo. referia: “Uma fonte do Ministério da Defesa diz-se ‘espantada’ com o facto de a PJ e a PJM estarem a demorar tanto tempo.” Recentemente, o senhor Presidente da República, numa visita a Tancos, referiu: “Não só é importante apurar os factos e eventuais responsabilidades como apurar num tempo que seja um tempo o mais curto possível. Por um lado, para o prestígio da instituição militar, e, por outro lado, também para a própria atuação interna da instituição militar”, frisando a seguir que “tinham passado dois meses e uma semana” sobre os acontecimentos.

Tais afirmações de uma e outra entidades constituem uma pressão inadmissível e, com o devido respeito, ilegítima, sobre a Polícia Judiciária (PJ) e a Polícia Judiciária Militar (PJM), bem como, por arrastamento, sobre o próprio Ministério Público (MP), autoridade judiciária que, nesta fase, dirige a investigação. As declarações são até incompreensíveis, já que muito do que aconteceu pode ser assacado, de forma indireta, ao poder político. Com efeito, os sucessivos cortes quer em pessoal, quer na aquisição ou manutenção dos equipamentos existentes, criaram as condições propícias à verificação destes factos, pela degradação objetiva das condições de trabalho. Embora isto não justifique tudo, como seja uma fiscalização duvidosa e a instalação de um desleixo e desatenção, por parte do pessoal, que não deveriam ter existido e foram terreno permeável para a prática dos delitos criminais ora investigados. Contudo, os investigadores da PJ não são pressionáveis e, provavelmente, os da PJM também não o serão, apesar de estes estarem integrados na orgânica militar. Uma investigação criminal não pode ser, à partida, limitada pelo tempo, como se se tratasse de um mero processo administrativo.

Estamos perante um processo penal e as suas limitações temporais advêm apenas das disposições impostas pelo Código de Processo Penal. Afinal, o que se pretende: uma investigação rápida e atabalhoada, suscetível de um arquivamento, ou um trabalho de qualidade com vista à recolha de prova pessoal e material de qualidade que permita a identificação de todos os responsáveis pelos factos delituosos? Esquecem-se, por acaso, do contexto em que tal investigação se desenvolve, de forma reativa e, em grande parte, em meio castrense, extremamente fechado por natureza, o que se traduz, desde logo, numa apreciável dificuldade e mesmo complexidade? E não é despiciendo, face à gravidade dos factos, pensar em eventuais ligações ao crime organizado de cariz transnacional. Os investigadores da PJ, competentes e experientes, não têm um prazer especial em prolongar as investigações que realizam, pois muitas outras esperam a vez de serem trabalhadas.

Também não nos parece que o prestígio militar seja minimamente beliscado pelo facto de se apurar com objetividade e seriedade todos os factos. Antes pelo contrário, este prestígio sairá reforçado, mormente se as suas fileiras forem expurgadas de elementos indesejáveis. Quanto à referida “atuação interna”, ela terá de se subordinar, necessariamente, aos superiores interesses da investigação criminal, sem prejuízo de eventuais decisões administrativas, mas, mesmo assim, que não possam ferir minimamente a dita investigação.

As declarações do senhor Presidente da República poderão tratar-se de um lapso, à luz do que refere mais à frente, ou seja, que desde o início dissera: “É preciso apurar tudo de alto a baixo, completamente, exaustivamente, quanto aos factos e responsabilidades.” Afinal, em que ficamos? Não é mesmo isto o que os investigadores estão a fazer ?

Estes deverão ser inexcedíveis e persistentes na recolha da prova e, em cada momento, escolher a melhor estratégia de atuação com vista à recolha de elementos que proporcionem uma consistente acusação ao MP e, no final, defenderem em sede de julgamento a investigação em que tanto se empenharam, com vista a eventuais condenações, só acabando aqui, de facto, a sua participação. Há que lembrar o sábio ditado popular: “Depressa e bem, não há quem.”

 

Coordenador de investigação criminal, aposentado, da PJ