Atentados morais e sociais


Enquanto se aumenta uma senha de presença para 5500 euros na Caixa Geral de Depósitos, o subsídio de desemprego mantém com Vieira da Silva os cortes impostos pela troika e aplicados por Passos e Portas


1) Há decisões que devem ser denunciadas como verdadeiros atentados morais ou sociais e insultos à população em geral, dado o simbolismo de que se revestem. É o caso da decisão tomada recentemente de aumentar a senha de presença para 5 mil e 500 euros do presidente da comissão de vencimentos da Caixa Geral de Depósitos. A determinação foi do Ministério das Finanças e aplica-se a Ferreira de Oliveira o ex-presidente da Galp, certamente uma das funções mais fáceis e bem pagas do país. Mas adiante. O que vem ao caso é que a criatura foi aumentada com o pretexto de que era preciso distingui-la com mais 500 euros nas suas senhas do que as que recebem os seus dois parceiros na comissão avaliadora dos ordenados dos órgãos sociais e diretores de primeira linha da CGD, um banco que é público, que só não faliu porque os contribuintes o aguentaram, que vai despedir cerca de 1500 funcionários com supostos acordos amigáveis (quem não aceitar vê regalias cortadas e sujeita-se a deixar funções de chefia, por exemplo) e que, escandalosamente, começou a cobrar comissões pesadas a clientes remediados, o que pode provocar uma debandada de depositantes, nomeadamente em direção ao banco dos CTT. Tudo sob a batuta de Paulo Macedo que, afinal, está a limitar-se a uma gestão de cortes, sem especial criatividade bancária e contando com uma inexplicável cumplicidade política e sindical.

Em paralelo com esta escandalosa situação de opípara discriminação positiva paga por contribuintes e clientes da CGD, temos o desprezo com que o governo trata os desempregados com um ministro Vieira da Silva que enche a boca de generalidades, mas não se preocupa em suprimir os cortes dos subsídios aos desempregados e em repor os valores que recebiam antes da troika, apenas procedendo a uma simbólica atualização.

Nesta altura o crescimento do emprego, que reequilibra a Segurança Social, tem sido resultado de um esforço exclusivo da sociedade civil, nomeadamente através de novas atividades no turismo, para cuja existência Vieira da Silva e a sua equipa em nada contribuíram, por manifesta falta de estratégia política.

Os desempregados vivem no salve-se quem puder e são os párias ou os intocáveis da sociedade portuguesa de hoje, aos quais apenas foi anulada a apresentação quinzenal, uma medida de coação que nem sequer foi exigida à maioria dos indiciados na operação Marquês ou na roubalheira do BES. E mesmo o termo dessa medida humilhante só foi conseguido por imposição do Bloco de Esquerda, pois não era coisa que incomodasse Vieira da Silva que já a aplicava quando ocupou as mesmas funções em governos anteriores. Então ele, um político que está sempre ao lado do líder do momento, tendo sido um dos mais próximos e indefetíveis de José Sócrates com quem patuscava às sextas-feiras, não havendo, porém, nota de que mantenha semelhante contacto regular.

A continuidade dos cortes de austeridade nos subsídios de desemprego demonstra que António Costa e o seu ministro da Segurança Social sabem que a atual melhoria económica pode ser meramente conjuntural, visto que está alavancada no turismo e na construção civil, atividades muito dependentes da conjuntura económica que as envolve e que hoje em dia pode mudar subitamente.

Uma curiosidade deste abandono dos desempregados é a circunstância de ela abranger uma espécie de pacto entre todos os partidos que só agora o Bloco e o PCP dão sinais de poder questionar timidamente, aproveitando a discussão do Orçamento do Estado e tendo naturalmente com isso um claro propósito eleitoral. Convém recordar que o subsídio de desemprego não é uma esmola, mas uma prestação correspondente a descontos efetuados para esse efeito por quem trabalhou às vezes mais de 40 anos sobre valores muito acima do que aufere. Talvez seja tempo dos políticos pensarem no assunto, em vez de se preocuparem apenas na forma como mantêm ou ascendem ao poder e respetivas prebendas.

2) Depois das suas considerações sobre a comunidade cigana, André Ventura subiu a parada e defendeu a pena de morte, jogando com os sentimentos mais primários de certas pessoas. É esse o caminho dos populismos de extrema-esquerda ou de extrema-direita. Por aí nada de novo, a não ser que normalmente quem proclama essas coisas não é aceite num partido social-democrata. O PSD já está dominado pelos neoliberais. Será que agora vai virar uma espécie de Frente Nacional cá do sítio, ignorando até a circunstância de muitos dos nossos compatriotas serem vítimas de xenofobia ou até de racismo?

3) Sucedem-se revelações sobre convites a políticos e dirigentes do Estado (sejam governantes ou quadros técnico-políticos) por parte de grandes empresas. As denúncias agarram gente de vários quadrantes políticos. As notícias a conta-gotas chegam pela comunicação social. Seria, aliás, interessante e oportuno saber se já houve jornalistas que viajaram a convite daquelas empresas.

 

Jornalista