Barcelona, Samarra, Charlottesville


Parece-me normal que desastres da mesma escala produzam no ser humano reações diferentes em função do afeto e proximidade que sente com o lugar ou as vítimas. 


Quando acompanho as notícias sobre o hediondo ataque em Barcelona não posso deixar de pensar que ainda há um ano passeava nas Ramblas com a minha filha mais velha e que a minha primeira preocupação foi saber dos amigos que tenho na cidade. Contudo, quando faço a minha leitura política não devo esquecer que, no dia anterior, em Samarra – cuja cidade arqueológica é Património Mundial da Humanidade -, nove pessoas morreram noutro ataque.

Ter esta noção de escala, tanto geográfica como temporal, permite-nos interpretar melhor as causas, problemas e possibilidades de resposta, e perceber quão falsa é a correlação entre imigração e terrorismo – tese recorrente no discurso hegemónico que passa no espaço mediático e que Passos Coelho papagueou no seu discurso do Pontal.

Na verdade, o único meio de sustentar esta correlação é a partir de uma leitura que admite que há raças, condições naturais ou religiões com particular apetência para perpetrar ataques terroristas. Ora esta leitura, como todas as leituras racistas, parte da conceptualização de uma realidade parcial ou ignorante que facilmente encontra culpados para o medo. Valoriza Barcelona, ignora Samarra e coloca Charlottesville no plano da disputa política entre duas partes radicalizadas – tese com que Trump desvalorizou o ato terrorista dos neonazis americanos. O exemplo do neonazi que se lança de carro sobre a multidão em Charlottesville tem óbvias semelhanças com o que se passou em Barcelona. Parte de uma leitura de ódio para com uma mole de pessoas que não se conhece e procura atingir o maior número de vítimas.

Colocar os três atentados no mesmo plano não nos dá respostas fáceis, mas permite-nos perceber que o problema não resulta de cidadãos que circulam pelo mundo, mas de realidades com pouco mundo. Mais, permite-nos perceber que o problema pode ser ainda maior sempre que cidadãos com pouco mundo ocupem lugares de relevo dentro dos respetivos Estados. Isso é o que, de facto, devemos temer.

 

Escreve à segunda-feira


Barcelona, Samarra, Charlottesville


Parece-me normal que desastres da mesma escala produzam no ser humano reações diferentes em função do afeto e proximidade que sente com o lugar ou as vítimas. 


Quando acompanho as notícias sobre o hediondo ataque em Barcelona não posso deixar de pensar que ainda há um ano passeava nas Ramblas com a minha filha mais velha e que a minha primeira preocupação foi saber dos amigos que tenho na cidade. Contudo, quando faço a minha leitura política não devo esquecer que, no dia anterior, em Samarra – cuja cidade arqueológica é Património Mundial da Humanidade -, nove pessoas morreram noutro ataque.

Ter esta noção de escala, tanto geográfica como temporal, permite-nos interpretar melhor as causas, problemas e possibilidades de resposta, e perceber quão falsa é a correlação entre imigração e terrorismo – tese recorrente no discurso hegemónico que passa no espaço mediático e que Passos Coelho papagueou no seu discurso do Pontal.

Na verdade, o único meio de sustentar esta correlação é a partir de uma leitura que admite que há raças, condições naturais ou religiões com particular apetência para perpetrar ataques terroristas. Ora esta leitura, como todas as leituras racistas, parte da conceptualização de uma realidade parcial ou ignorante que facilmente encontra culpados para o medo. Valoriza Barcelona, ignora Samarra e coloca Charlottesville no plano da disputa política entre duas partes radicalizadas – tese com que Trump desvalorizou o ato terrorista dos neonazis americanos. O exemplo do neonazi que se lança de carro sobre a multidão em Charlottesville tem óbvias semelhanças com o que se passou em Barcelona. Parte de uma leitura de ódio para com uma mole de pessoas que não se conhece e procura atingir o maior número de vítimas.

Colocar os três atentados no mesmo plano não nos dá respostas fáceis, mas permite-nos perceber que o problema não resulta de cidadãos que circulam pelo mundo, mas de realidades com pouco mundo. Mais, permite-nos perceber que o problema pode ser ainda maior sempre que cidadãos com pouco mundo ocupem lugares de relevo dentro dos respetivos Estados. Isso é o que, de facto, devemos temer.

 

Escreve à segunda-feira