Campo Pequeno, do futebol aos 125 anos

Campo Pequeno, do futebol aos 125 anos


O Campo Pequeno – casa que, desde 2006, não é só de touros –  comemora 125 anos esta sexta-feira.  Recuamos aos tempos em que os baldios que ali havia receberam o primeiro jogo de football realizado em Portugal.


Vista Alegre, tauromaquia, futebol, praça do Campo Pequeno, Casa Pia. A sucessão de palavras que, aparentemente, habitam mundos distintos soará estranha a muitos. Mas a História é uma casa com muitos quartos e, neste caso, todos esses inquilinos acima enumerados dormiram, em diferentes períodos, no mesmo. Arrumemo-los por ordem de chegada.

Numa altura em que Lisboa terminava no local onde hoje assenta o Parque Eduardo Sétimo e em que a Avenida da Liberdade era um afrancesado Passeio Público, a zona do Campo Pequeno era uma espécie de baldio, pontuado por algumas quintas. 

Foi nesses terrenos que os bisnetos do fundador da Vista Alegre, Guilherme, Eduardo e Frederico Pinto Basto, organizaram a primeira partida de football que Portugal alguma vez vira. Os irmãos Pinto Basto, estudantes no St. George College, em Inglaterra, trouxeram uma bola para Portugal e trataram de iniciar os amigos no desporto. Em outubro de 1888 começam os treinos e a 22 de janeiro de 1889 decorre naqueles terrenos o jogo inaugural da modalidade em Portugal, que opôs uma equipa portuguesa, composta por nomes altos da burguesia e até nobres, a uma equipa «de estrangeiros». «O Campo Pequeno estava todo muito mal tratado, cheio de pedras e de ervas, mas havia uma faixa entre a atual praça e o palácio Galveias, mais aproveitável, onde se delimitou um rectângulo, não muito grande que serviu para o jogo. Eram os próprios entusiastas que iam fazendo a limpeza das pedras para poupar mais as botas e os pés…», escrevia o Jornal do Comércio, afirmando que a curiosidade tinha levado muitos lisboetas a ver que jogo era aquele.

E foi esse o primeiro ‘pelado’ do que viria a ser o desporto rei, ali junto às Galveias – que, entretanto, viraram biblioteca municipal –, o lugar escolhido para, pouco após o mítico jogo, erigir a casa mãe da tauromaquia. E a bola, febre que estava apenas a despontar, foi jogar-se noutros lados.

De campo da bola a sítio de touros

À época, as corridas de touros tinham lugar na praça do Campo de Sant’Anna. A erosão dos tempos declarou o fim da antiga praça em 1888. Com aficionados desde as classes mais baixas à aristocracia, urgia tomar uma decisão – ou se renovava a antiga praça ou se construía uma nova. O diretor da Casa Pia, entidade detentora do monopólio quer da organização das corridas quer das estruturas em si, decidiu pela segunda via.

Ainda se pensou na zona de Queluz, mas em 1889, no ano do tal jogo inaugural, a Câmara Municipal de Lisboa cede «seis mil metros quadrados de terreno» no Campo Pequeno à Casa Pia, o que selou a decisão. Três anos depois, a 18 de agosto de 1892, é inaugurada a nova – e única – praça de touros da cidade.

Os contos de réis, o estilo neo-árabe e a nova vida

Coube ao arquiteto António José Dias da Silva o desenho do grande tauródromo. As obras arrancaram no início de 1891 e foram dirigidas pelo engenheiro Ressano Garcia. A construção ficou por 161.200$00 e contou com contribuições de um grupo de acionistas, entre os quais a própria família Pinto Basto.

O exemplar de arquitetura civil romântica – cujo exterior tem uma altura de 18 metros – é um espécime declarado do estilo neo-árabe, com marcas exóticas, visíveis a olho nu quer nas janelas em forma de ferradura quer nas cúpulas em forma de bolbo. Após a inauguração – para a qual foi organizada uma tourada de gala –, viveu mais de um século a cumprir o propósito para a qual fora construída.
No ano 2000, o edifício, degradado e continuamente votado ao abandono – especialmente na década de 90 – encerrou. Seis anos depois, em 2006, reabriu portas e a segunda vida da praça já não tem apenas como cerne as corridas de touros. Voltou como espaço multidisciplinar – como sala de espetáculos, galeria, museu [aberto em junho de 2015] e diversos restaurantes – e apetrechada de um centro comercial com salas na base ligado à estação de metro, assim como um parque de estacionamento.

Hoje, a Praça do Campo Pequeno comemora 125 anos de existência. E o edifício, enlevo tauromáquico ou antipatias severas à parte –, continuará a ser um símbolo dessa zona que, outrora, simbolizou uma nova Lisboa. O futuro dirá qual será o novo quarto da História reservado ao Campo Pequeno.