“Devemos ser a única discoteca em que os pais vêm à porta pedir para deixarmos os filhos entrarem”, diz Luís Duarte. Há 19 anos, o gestor natural de Ribeira d’Ilhas, mesmo ao lado da Ericeira, assumiu as rédeas da discoteca Ouriço junto com o irmão Miguel. O negócio não estava na família, mas para quem cresceu por ali, é parte incontornável do imaginário. “Foi a primeira discoteca do país e esteve sempre a funcionar. Foi também a primeira discoteca onde eu entrei”.
O Ouriço faz parte do mobília da vila e, se quem é de lá sempre lhe gabou os encantos, é notório o aumento de turismo. Luís Duarte diz que, nos últimos quatro anos, tem sido sempre a somar. O surf é a explicação consensual. “Associado ao dinamismo do município, há que reconhecê-lo”. Em 2011, a Ericeira tornou-se a segunda reserva mundial de Surf distinguida pela Save the Waves Coalition. Antes, neste mapa dos paraísos de ondas à escala planetária, só havia uma bandeirinha… em Malibu, na Califónia.
O que aconteceu entretanto merece uma visita mas os números do Turismo de Portugal, fornecidos ao i pela Câmara Municipal de Mafra, atestam o fenómeno. Hoje contam com 29 escolas de surf, 22 lojas de desportos de ondas e 11 shapers, que é como quem diz, artesãos de pranchas.
As ondas boas para surfar sempre fizeram parte do cenário, mas o número de escolas praticamente duplicou desde 2011. Com o boca a boca e com o boom do alojamento local, vieram também camas e mais camas que complementam a oferta hoteleira do único hotel da vila, o Vila Galé Ericeira. No final do ano passado, havia 521 alojamentos locais registados e 2759 camas. Hoje são 3601, quase mais mil cantinhos para dormir no espaço de seis meses. E o número de casas e apartamentos registados como alojamento local subiu para 713. Ainda assim, se quiser marcar uma noite num alojamento mais recatado, prepare-se que os preços têm estado a escalar com a procura. Uma noite em quarto twin no hotel de quatro estrelas, marcada no Booking por exemplo para o próximo de fim-de-semana, sai a 222 euros. Conseguirá apanhar uma cama num dormitório dos vários hostéis da vila a partir de 18 euros. Para o próximo fim de semana, segundo este mesmo site de reservas, a lotação é alta: 92% dos alojamentos estavam ontem indisponíveis para sábado.
Aura familiar
Paula Agudo, “ericeirómana” há 50 anos, também sente que nos últimos três anos a vila tem ganho cada vez mais movimento, mas não tenciona mudar o destino de férias de verão da família desde que era menina. “Houve um grande aumento de turismo, mais daquele turismo ‘pé descalço’ muito associado ao surf, mas ao mesmo tempo a vila mantém uma aura familiar”, explica. Aliás, as famílias habituées costumam juntar-se todas na Praia do Sul, que fica junto ao hotel. “O problema é que as famílias foram crescendo e a praia não”, sorri Paula. É também nestas amizades de longa data nascidas à beira-mar que reside o encanto, assim como no facto de já conhecerem todos os cantos, que restaurantes servem o melhor peixe ou marisco, os melhores bolos nas pastelarias, o melhor sítio para ir beber um copo à noite.
A discoteca Ouriço e a sua festa de aniversário, a 26 de Agosto, é outro momento de reunião quase obrigatório. “Este ano a festa vai ser a 31 de agosto. É sempre na última quinta-feira do mês e as pessoas já sabem que o aniversário do Ouriço é quando o homem quer”, sorri Luís Duarte. Quando a discoteca abriu, em agosto de 1960, ele ainda nem era nascido. “Começou por ser um clube fino, vinham as famílias de Lisboa que tinham quintas na Ericeira. Diz-se até que Amália Rodrigues foi uma das sócias honorárias”.
Nos anos 70, quando o destino balnear começou a ficar popular, até passava um filme a promover a Ericeira nos intervalos do cinema das salas lisboetas. “Tenho o filme guardado. No Ouriço viam-se senhoras bem vestidas a dançar o twist e o ye-ye”. Se calhar, algumas ainda lá dão uns passinhos de dança. “Chego a ter avô, pai e filho na discoteca”, conta Luís Duarte. A playlist é à base de rock e pop e a pista fecha sempre com Sinatra, às 6h da manhã. É para maiores de 18, mas às vezes lá cedem aos pedidos dos pais, já que o ambiente é familiar. Este ano, a novidade é uma esplanada que abre de manhã. Outra particularidade é a fachada, com um mural caprichado e que muda a cada três meses.
Peixe fresquinho
Os mais antigos lembram-se de comprar o peixe na Praia dos Pescadores. Hoje as compras são no mercado. A vila é conhecida pelos ouriços, os habitantes mais famosos das praias, mas o verão não é o tempo deles, explica Nuno Lourenço, gerente do restaurante Furnas, mesmo em cima do mar. “O ouriço começa a ficar ovado em dezembro e é bom até março”. Fica a dica, até porque a vila há três anos que organiza por essa altura o festival do Ouriço-do-mar.
De verão, não falta peixe da Ericeira para deitar no carvão. Sargo, robalo, dourada, pargo e pregado compõem o menu. Nuno também é de Ribeira d’Ilhas mas desde os 13 que trabalha na Ericeira. “Sempre houve muita gente, mas era mais sazonal. Agora é o ano inteiro”. Entre os estrangeiros, sente que há sobretudo nórdicos e ingleses. E ultimamente franceses, que fugiram de destinos onde se vivem situações mais conturbadas como a Tunísia. Os surfistas de todos os cantos do mundo também passaram a fazer parte da paisagem e todos ficam rendidos não só às ondas como ao peixe fresco, diz Nuno.
A puxar pela movida, a câmara promete verão animado. Além de 11 quilómetros de costa e 13 praias no concelho, que incluem as sete ondas de topo para a prática de surf da reserva mundial (Pedra Branca, Reef, Ribeira d’ilhas, Cave, Crazy Left, Coxo e São Lourenço), o programa inclui cinema, música e um encontro de automóveis clássicos. Este fim de semana arranca a 6.ª edição do Portuguese Surf Filme Festival, com 23 filmes em competição. As sessões na Casa de Cultura Jaime Lobo Silva começam no sábado às 21h, com “Saca: O filme de Tiago Pires”.
De 26 a 31 de julho, o parque de campismo da Ericeira recebe o 22.º Encontro Mundial dos Amigos Dos 2CV, com participantes e respetivos Citroën oriundos de 12 países. A mostra de automóveis será no Palácio Nacional de Mafra. No coração da vila, na Praça da República, mais conhecida como Largo Jogo da Bola, haverá concertos, stand up comedy e outros espetáculos. Se parou no nome do largo, a explicação remonta a um jogo tradicional que mistura o chinquilho e a petanca francesa. Voltando à música, este sábado atua o mestre da guitarra portuguesa António Chainho.