Esquadra de Alfragide. MP fala de tortura e outros “tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos”

Esquadra de Alfragide. MP fala de tortura e outros “tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos”


Foi deduzida a acusação contra 18 agentes da PSP da esquadra de Alfragide. Em causa, um caso de fevereiro de 2015 com seis jovens da Cova da Moura


O Ministério Público confirmou esta manhã que foi deduzida a acusação contra 18 agentes da PSP, acusação noticiada na edição de hoje pelo "DN". Numa nota publicada no site da Procuradoria Geral Distrital de Lisboa, assinala-se que em causa estão os "crimes de falsificação de documento agravado, denúncia caluniosa, injúria agravada, ofensa à integridade física qualificada, falsidade de testemunho, tortura e outros tratamentos cruéis, degradantes ou desumanos e sequestro agravado".

"No essencial está indiciado que os agentes da PSP, em fevereiro de 2015, com grave abuso da função e violação dos deveres que lhes competiam, fizeram constar de documentos factos que não correspondiam à verdade, praticaram actos e proferiram expressões que ofenderam o corpo e a honra dos ofendidos, prestaram declarações que igualmente não correspondiam à verdade e privaram-nos da liberdade."

Os arguidos encontram-se sujeitos a termo de identidade e residência. Segundo o DN, apesar de este caso ter motivado vários alertas públicos e até uma inspeção da IGAI, que acabou por ser arquivada, os agentes continuaram em funções. Fonte oficial da PSP já confirmou entretanto esta mesma situação. Em declarações à Lusa, a mesma fonte salientou que "a presunção de inocência se mantém até trânsito em julgado, sendo que em relação às referidas ocorrências foram accionados os meios disciplinares internos e da IGAI, os quais, tempestivamente, concluíram pela condenação de dois polícias e pelo arquivamento dos processos relativos a outros sete agentes."

Humilhados
O inquérito foi dirigido pelo MP do DIAP da Amadora/Comarca Lisboa Oeste, com a coadjuvação da PJ – UNCT.

O caso remonta a fevereiro de 2015. Na altura, a polícia deteve um residente do bairro Cova da Moura. Na sequência desta detenção, que a investigação considera agora ter sido arbitrária e violenta, vários jovens dirigiram-se à esquadra para se inteirarem da situação de Bruno Lopes. Segundo o "Diário de Notícias", o MP considera que os agentes, sem terem sido provocados, começaram a agredir os jovens, arastando-os para a esquadra enquanto gritavam palaravas de ódio.

O "DN" adianta que a acusação relata mesmo o momento em que a polícia gozou com um dos jovens que tinha tido um AVC aos nove anos de idade e que tem, por isso, uma paralisia na mão. "Então não morreste (do AVC)? Agora vai dar-te um que vais morrer. Ainda por cima és pretoguês filho da puta", cita o diário. Os jovens estiveram dois dias detidos até serem presentes ao juiz de instrução.

Segundo o DN, a IGAI arquivo o processo de inquérito "em virtude de as diligências entretanto realizadas evidenciarem a ausência de fundamento para a instauração de outros processos disciplinares".

Em entrevista ao projeto media "É Apenas Fumaça", Flávio Almada, um dos jovens detidos conhecido pelo nome de rapper LBC, falou sobre o que se passou naquele dia. "É uma coisa que acontece há muito tempo e continua a acontecer. Não sei o que é que eles pensam. Tu vais a uma esquadra com óculos, com uma agenda, com uma caneta e um telemóvel e vais perguntar uma informação e recebem-te com tiros. Fomos torturados, psicologicamente e fisicamente." Almada lamenta nesta entrevista que outros casos não cheguem sequer a ser julgados, lembrando a morte de Kuku, um jovem de 14 anos baleado em 2009 na Cova da Moura pela polícia. "No julgamento era o morto que estava a ser julgado".