Aconteceu-me recentemente, após a leitura sucessiva de duas entrevistas e de dois artigos, versando, uma, o islamismo e, todos os outros textos, a importância de o homem pertencer a comunidades próximas que o amparem e motivem socialmente, chegar a reflexões imprevistas.
A primeira entrevista – de Salman Rushdie ao “L’OBS” – alerta para a feição do islamismo atual que, segundo ele, se veio radicalizando nos últimos 50 anos, influenciado pela corrente salafita já dominante.
Defende Rushdie que não se pode mais escamotear hipocritamente a importância desta trajetória, pois ela está na origem direta dos movimentos terroristas atuais.
Os outros textos – uma entrevista a Sebastian Junger e um artigo de Rubén Amón, ambos no “Ideas” do “El País”, e um outro de Nuno Ramos de Almeida, neste jornal – discorrem sobre a diluição e a nova procura do espírito de comunidade.
Este último tema parece, à partida, nada ter a ver com o da entrevista de Rushdie.
Todavia, eles podem articular-se quando se procura uma explicação para o fenómeno terrorista de inspiração salafita que, na Europa, continua a recrutar adesões no seio de jovens migrantes de religião muçulmana de segunda ou terceira geração.
Se, como pretendem Rubén Amón, Sebastian Junger e, em certo sentido, Nuno Ramos de Almeida, a existência de comunidades de afinidades permite aos que nelas se inserem um sentimento de pertença que dá sentido à vida diária de cada um, melhor se compreende a atração e a força de tal sentimento quando alguém vive alienado no seio de uma sociedade estrangeira.
Apesar do esforço de integração, tantas das vezes suportado sobretudo pelos migrantes de primeira geração, os seus descendentes constatam, frequentemente, a permanência de barreiras sociais e culturais que se lhes apresentam como intransponíveis.
Se elas podem, ainda assim, parecer aceitáveis para os migrantes de primeira geração, que se instalaram nos países de acolhimento para dar um futuro de vida aos seus filhos, mais difícil é para estes quando veem esse futuro sonegado e, genuinamente, não se sentem parte de qualquer projeto social: nem da sociedade de origem dos pais, nem daquela em que já nasceram.
Se as sociedades de acolhimento dificultam, frequentemente e de múltiplas formas, a inserção, a verdade é que também algumas comunidades migrantes propendem por vezes, como resposta, a reforçar laços de identidade próprios, recluindo neles os que nela nasceram.
Por isso, tais laços tendem então a ser assumidos e exibidos contra a cultura dominante, aquela a que se quis inicialmente aderir, não se tendo chegado a aceder-lhe e que, por fim, se acaba por repelir.
Ora, é nesta identidade própria – mais idealizada do que real – que os proselitistas salafitas encontram terreno fértil para firmar “fraternidades” que, oferecendo um sentido existencial aos que delas participam, exigem, em troca, heroísmo e sacrifícios por vezes totais.
A sociedade liberal capitalista, declinando a noção de um projeto social racional fundado na busca coletiva do bem comum, atomizou de tal forma os homens na sua individualidade que abriu caminho a novos fenómenos agregadores fundados, agora, em apocalípticos irracionalismos obscurantistas.
Daí, também, que haja maior coincidência do que se julga entre as causas do jihadismo e as que justificam os movimentos populistas de direita.
Escreve à terça-feira