Festival Portugal!


Não é preciso ser vidente ou visionário para prever que, apesar de não haver ligação entre as reposições e o crescimento, os 2,8% vão sair bem caros nas negociaçõesdo próximo Orçamento do Estado


Quando a esmola é muita, o pobre desconfia. A maré, não tendo a dimensão das ondas gigantes da Nazaré, apresenta-se positiva. Depois do Campeonato da Europa de Futebol, em 2016, e da eleição de António Guterres para secretário-geral das Nações Unidas, a nau lusitana mareia de feição à confiança, à euforia e ao viver um dia de cada vez. Num só dia, a expressão sentida, por diversas crenças e convicções, da fé, da paixão clubística e do compasso musical, em plena afirmação das capacidades nacionais, certamente não comungadas por todos. Num só dia, a afirmação de que, mesmo no quadro da nossa latinidade, temos capacidades organizativas, de superação e de foco como ninguém.

No atual contexto mundial de segurança, com todas as ameaças latentes, foi, uma vez mais, excecional a competência e a eficácia registada na organização de um grande evento como a visita do Papa Francisco a Fátima, por ocasião do centenário das aparições. Independentemente das convicções pessoais, Fátima é um local especial para muitos portugueses e, por muito que custe a outros tantos, um grande ativo turístico de Portugal, nem sempre potenciado pelos poderes. Sendo manifestações legítimas da liberdade de expressão, foi oportunismo puro o momento escolhido para o esboço de contestação e dúvida em relação à origem da manifestação de fé em Fátima.

No atual contexto em que foi configurado o fenómeno desportivo, em especial o futebol, num ano marcado por muita gritaria para esconder a falta de resultados, a conquista do tetra pelo Sport Lisboa e Benfica é um feito notável de humildade, de foco no campo e de capacidade de manter a coesão de um grupo de trabalho. Num ano em que raramente o plantel esteve na sua totalidade ao dispor de um treinador apostado em qualificar a comunicação desportiva e a indústria do futebol. Dezoito títulos em 16 anos é uma marca da presidência de Luís Filipe Vieira, numa elevação de patamar do clube como o maior de Portugal e uma referência global, pela credibilização, pelas infraestruturas, pela formação e pela inovação. Ninguém mobiliza como o Benfica, ninguém ativa no país e no mundo como o SLB e ninguém como ele contribui para a projeção do futebol como um ativo da economia nacional e um fator de afirmação de Portugal. Os resultados alcançados geraram uma espécie de unidos na desgraça, a confissão final dos adversários diretos da justiça da conquista do título e o eloquente desnorte, bem evidente no apagão das redes sociais depois do permanente destilar da bílis, da verve e do marialvismo desportivo através desse meio de comunicação. Não se pode escancarar as portas da vida à comunicação social e ao mundo e depois queixar-se da falta de privacidade ou de recato.

No atual contexto da Europa, com milhares de portugueses espalhados pelos países da Eurovisão, bastou uma boa canção, em português e diferente das acantonadas no certame, uma boa campanha de valorização da proposta e uma organizada mobilização da participação nas votações dos cidadãos não residentes no território nacional para que o resultado fosse a vitória de Salvador Sobral. Não foi uma coisa do outro mundo, mas a prova de que a organização, a qualidade e a diferenciação são importantes fatores de sucesso das nossas capacidades.

Com este estado de serenidade e de preenchimento sentimental, o Instituto Nacional da Estatística divulgou que o crescimento do produto interno bruto no primeiro trimestre de 2017 foi de 2,8%. Um bom resultado para Portugal cuja paternidade foi garbosa e pateticamente disputada entre poder e oposição, sem grande atenção ao fundamento do crescimento.

“Esta aceleração resultou do maior contributo da procura externa líquida, que passou de negativo para positivo, refletindo a aceleração em volume mais acentuada das Exportações de Bens e Serviços que a das Importações de Bens e Serviços. A procura interna manteve um contributo positivo elevado, embora inferior ao do trimestre precedente, verificando-se uma desaceleração do consumo privado e uma aceleração do Investimento”.

Não é preciso ser economista, versado em estatística ou endeusado em narrativas para concluir que não foi a devolução de rendimentos que impulsionou o crescimento, foram as exportações e a conjuntura internacional favorável.

Não é preciso ser vidente ou visionário para prever que, apesar de não haver ligação entre as reposições e o crescimento, os 2,8% vão sair bem caros nas negociações do próximo Orçamento do Estado. Mesmo quando o que mais conta para a concretização das exportações ou para a manutenção do crescimento do turismo não depende exclusivamente da nossa vontade e das nossas capacidades. Razões mais do que suficientes para não haver euforias ou opções políticas sem sustentabilidade no tempo e em relação aos recursos gerados.

Será pedir demais que o Festival Portugal seja minimamente sustentável? É que do bestial a besta vai um passo, dos curtos.

Notas finais

Foguetes. Andamos tão enleados nos confortos e comodidades dos tempos modernos que nem nos passa pela cabeça a possibilidade de o essencial das nossas vidas, como seres humanos, estar dependente de dispositivos do mundo digital ou da energia elétrica vulneráveis a ciberataques informáticos ou a fenómenos meteorológicos extremos. Também aqui convinha ter um plano B.

Festa.Cada dia que passa está mais evidente e preocupante a loucura que assentou arraiais na Casa Branca com Donald Trump. Não há dia sem novela, demite quem lhe faz frente, tenta abafar investigações, divulga o que não deve, enfim, um corrupio de disparates políticos.

Canas. Os estados de alma são pouco relevantes na política. Não é aceitável que um responsável nacional da Proteção Civil, a partir das 4848 ignições e dos 13 mil hectares de área ardida registados no presente ano, possa dizer que em “2017… 2017… eu, se fosse um pouco consciente, fugia”. Está tudo louco?

 

Militante do Partido Socialista, Escreve à quinta-feira