Minnie Freudenthal. ‘Comer de 3 em 3 horas? O jejum é muito mais terapêutico’

Minnie Freudenthal. ‘Comer de 3 em 3 horas? O jejum é muito mais terapêutico’


Minnie Freudenthal viveu em Angola, estudou em Nova Iorque, exerceu em Fornos de Algodres e garante que se aprende em todo o lado. O fascínio pelo impacto que os alimentos têm no nosso organismo leva-a a uma procura incessante por informação. Nas suas consultas, há espaço para hipnose e mindfulness, sem planos restritos nem regras…


Tenta dar os dez mil passos por dia – o necessário para queimar calorias e reduzir a tensão arterial -, não come glúten há 12 anos e treina a mente para se manter sempre aberta a receber mais e mais informação. Minnie Freudenthal começou como médica de clínica geral, mas o fascínio pelo impacto que os alimentos têm no nosso corpo levou-a a especializar-se em nutrição. Mas no consultório de Minnie não há espaço para regras ‘chapa 5’, de corta hidratos aqui e põe mais proteína ali. «Cada corpo é diferente e tento ensinar todos os meus pacientes a ouvi-lo», explica. Para isso, alia à ciência a prática de hipnose e mindfulness.

 

Vê o corpo humano como um todo. Acha que, por isso, devia haver mais interação entre as especialidades médicas?

Claro que sim, mas isso em todas as profissões. O todo é sempre maior que a soma das partes, mas estamos ainda muito rígidos no nosso conhecimento.

Até porque os doentes estão diferentes.

O mundo mudou. Se continuarmos a compartimentar – este é o teu domínio e este é o meu – estamos a gastar energia numa coisa impossível. Eu apercebi-me dessa necessidade muito cedo, talvez por ter vivido e estudado noutros sítios, não sei.

Viveu em sítios tão diferentes como Angola e Nova Iorque. É possível aprender em todo o lado?

Olhe para si como um volume no qual a informação bate. Se o seu espírito for recetivo, essa informação entra, seja em Angola, Nova Iorque ou Síria. Eu tenho – por treino e talvez por herança -, uma consciência maior desse estado e, por isso, posso regulá-lo.

E o interesse pela nutrição começou quando?

Quando voltei dos Estados Unidos e comecei a fazer medicina privada. rapidamente me apercebi de que uma grande parte dos problemas relacionados com as doenças que causam morte prematura estão ligados à alimentação.

Somos mesmo o que comemos?

E como nos mexemos e como pensamos. 

E já se falava de nutrição em Portugal?

Vivi dez anos em Nova Iorque, para onde me mudei em 1983. Já nessa altura havia computadores e os pais faziam jogging nos parques a empurrar os carrinhos de crianças. Quando voltei para Portugal, continuávamos muito atrás dessa realidade.

E agora, quem a contacta continua a ser apenas para emagrecer?

Hoje em dia há muita gente a fazer nutrição, é natural que recorram menos a mim. Mas há uma diferença, todos os meus doentes aprendem sobre nutrição comigo, até porque toda a doença está ligada à nutrição.

Há doenças em que os medicamentos podiam ser trocados por reeducação alimentar?

Tantas. Intestino, pele, alergias, dores de cabeça, falta de energia… 

E que mudanças alimentares podem ser feitas?

Posso dar-lhe o meu exemplo: não como glúten há 12 anos e as minhas alergias desapareceram, o que quer dizer que o meu intestino está ótimo. Está mais que provada a relação entre os intestinos e o sistema imunitário. O estado inflamatório do intestino estimula as nossas defesas, que ficam hiperativas e desencadeiam processos de autoimunidade e processos de alergia.

Daí ter começado por falar desta falta de interação entre as especialidades.

No curso de medicina não existe a cadeira de nutrição. Como é que os médicos vão pensar nisso?

Mas a Minnie pensa. Como é uma consulta sua?

Fala-se de tudo. De nutrição, claro, mas de emoções, de bem-estar. No mínimo, duram uma hora.

Existem técnicas universais ou todos os planos alimentares têm que ser personalizados?

Há coisas que têm maior probabilidade de funcionar como cortar o açúcar ou reduzir os hidratos. Mas o mais importante é conhecer os alimentos que lhe estão a irritar a flora intestinal, até porque são essas inflamações que costumam causar obesidade. O que eu faço é retirar os inflamatórios mais comuns como o trigo ou o leite, por exemplo, e vejo o que acontece. 

É essa a diferença entre uma dieta para perder peso e uma dieta para a vida?

Trabalho sempre daqui para baixo [aponta para a cabeça]. Senão, da próxima vez que estiver triste, ou irritada vai voltar aos erros alimentares antigos. Para poupar energia, o corpo recorre ao hábito.

E mudar um hábito é muito difícil?

Muito mesmo. Explicar a natureza do nosso cérebro ajuda imenso a pessoa a perceber o porquê de ter que mudar este ou aquele hábito alimentar.

Viu os resultados do Inquérito Alimentar Nacional?

Deu na televisão? É que eu não tenho e raramente leio jornais. Mas estou a par dos números das diabetes e são horríveis.

São notícias que ainda a chocam?

O que fico é a pensar: o que é que a televisão anda a fazer? O que é que o Governo anda a fazer? Não deveriam estar a educar as pessoas? 

Mas não parte também da pessoa essa vontade de mudar?

Claro, não se pode vitimizar as pessoas, têm que ganhar consciência que são agentes ativos.

É que, ao mesmo tempo, nunca se falou tanto de alimentação saudável como agora.

Acontece o mesmo nos EUA, onde se gasta imenso dinheiro em saúde e os números estão cada vez piores. Mudar uma cultura demora muito tempo. Nós apenas levantamos o pé, ainda nem o pusemos no chão para dar esse primeiro passo.

O que se pode fazer para mudar?

Uma janela de oportunidade para uma revolução são os casais grávidos. Já viu período mais feliz? As pessoas estão recetivas e ávidas de conhecimento. Mas também não nos podemos esquecer da distribuição dos rendimentos que não é de todo igualitária, o que acaba por influenciar a alimentação.

Comer bem é caro?

Não acho. Mas há coisas inequívocas: num centro comercial, um hambúrguer custa três euros e uma salada oito.

Como é que chegámos a este ponto, quando a nossa base é a dieta mediterrânica?

É muito fácil esquecer conhecimentos de uma geração para outra. Antigamente, comiam-se muitos mais legumes, que era o que a terra dava, e muito menos proteína, porque também não havia dinheiro para mais. E nós ainda temos um mindset de escassez, ou seja, agora que temos muito queremos compensar as alturas que não tínhamos. 

Mas podíamos aprender mais com os nossos avós?

Algumas coisas sim, outras não, até porque o estilo de vida é muito diferente. Quando falamos em dieta mediterrânica falamos de alimentos que o Mediterrâneo nos dá. Eu trabalhei em Fornos de Algodres em 1974 e coitados dos pobres. Comiam carne uma vez por mês e o resto do tempo era batatas e couves. Isso é mediterrânico? Quem tinha uma alimentação saudável eram as populações das zonas costeiras. A verdade é que a passagem do paleo para a agricultura não é necessariamente um bom momento da espécie humana. Tornámo-nos escravos do trigo.

Então devíamos todos seguir a dieta paleo?

A dieta paleolítica era para eles, nós precisamos de uma coisa adaptada à nossa modernidade. Devíamos comer mais raízes como eles faziam, batata doce e mandioca que são ótimas fontes de hidratos. Comer um bocadinho de proteína, muitas verduras. E os cereais, na quantidade certa, também podiam entrar. Não quero, de todo, demonizar os cereais.

E  devemos, tal como vendem os nutricionistas, comer de três em três horas?

Nem pensar. Eu sou apologista do jejum, é muito mais terapêutico.

Mas fala em jejuns de um dia?

Sim, de vez em quando. Mas falo principalmente em jejuns de 12 horas, entre o jantar e o pequeno-almoço. É uma coisa que não faz mal a ninguém e só tem vantagens: é anti-inflamatório, faz um reset do metabolismo e usa aquilo que temos em reserva.

Mas não dá fome?

Fome é uma coisa que não existe, quanto muito temos apetite. Não temos que comer tantas vezes a não ser quem tem, por exemplo, refluxo e que é obrigado a comer em menores quantidades e, por isso, mais vezes por dia.

Mas esses jejuns devem fazer-se com que regularidade?

Digo às pessoas para irem testando. Na primeira vez jantem, passem a manhã seguinte em casa a beber chá e depois jantem.

Também serve para emagrecer?

Serve principalmente de teste, de controlo. Saber que consegue controlar. Ligar o corpo ao cérebro. As pessoas só têm noção de que estão cheios quando já estão quase a sentir-se mal.

Atualmente, só come mal quem quer?

Praticamente. Temos tudo disponível. Vou todos os sábados de manhã à Miosótis [loja de alimentos biológicos] e já nem sequer é muito mais caro do que os outros supermercados. E é uma questão de prioridades, eu não gasto dinheiro em joias, nem gadgets, gasto em comida.

Quais são os principais erros dos portugueses?                                                                                                   Sal a mais, carne a mais. Eu cozinho carne, mas ponho no prato quatro vegetais de cor diferente, cheios de sabor. Para quê? Para não ter que ir buscar a batata. 

Sempre comeu de forma saudável?

Houve uma altura em que achava que tinha que cortar na carne e comer mais massa. Só quando comecei a estudar é que percebi que estava a fazer tudo mal. Não só por engordar mas pelo meu problema com o trigo. Fui percebendo que não posso comer maçã, por exemplo, ou brócolos, alimentos que dão imensos gases.

Mas há coisas que não come de todo?

Só mesmo o trigo. Eu como de tudo, mesmo. Atenção que cheguei a comer 12 trouxas de ovos num casamento. Hoje em dia, com meia e fico afogada em açúcar. Uma banana agora dá-me para quatro sobremesas: cortada fininha, com limão, pasta de amêndoa e cacau, fica uma delícia.