Sobre “copos e mulheres”


Confrontados com o debate político do espaço que foi a Europa, na eminência de ser accionado o artigo 50.º do tratado de Lisboa pelo Reino Unido, interessa-me pouco a questão da imputação de hábitos mais ou menos marialvas


Está instalado pelo sul da Europa um coro de indignação e patriotismo serôdio em reacção às palavras do Sr. Djisselboem, o holandês presidente do Eurogrupo, que em entrevista ao jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung – em versão revista e (mal) corrigida – acusou os países do sul da Europa de terem, ao que parece, “cultivado” um problema de dívida soberana por, alegadamente, terem “gasto tudo em copos e mulheres antes de pedirem um resgate”.

A primeira reflexão que as palavras do Sr. Djisselboem podem e devem suscitar prende-se com a leitura a fazer das referidas afirmações, parecendo legítimo perguntar se, considerando ser a Holanda consabidamente uma referência para os negócios da prostituição, das drogas, da cerveja e da “facilidade fiscal”, as palavras do Sr. Presidente do Eurogrupo seriam ofensivas ou antes laudatórias e tributárias de um certo modo de vida…

Mas outra, menos óbvia e mais profunda, parece levantar-se relativamente ao que é, foi ou vai ser a Europa, e o que são, foram ou serão fenómenos como o Brexit.

É, neste cenário de discurso (de que não se publicaram as originais baias) que enaltecem a não coesão europeia e a clivagem norte/sul, que importará muito mais que atacar Djisselboem, antes, recordar e reflectir sobre a matéria que perpassa, por exemplo o discurso do Eurodeputado Estebán González Pons, no Parlamento Europeu, sobre os 60 anos da União Europeia, e olhando para o que diz relativizar sobre a essencialidade de falar sobre álcool e mulheres neste actual contexto político e em frente aos desafios do momento.

Alertava Pons, discursando para o PE, que: “A Europa está hoje limitada ao norte com o populismo e a sul com os refugiados afogados no mar, a leste com os tanques de Putin a oeste com os muros de Trump. No passado com a guerra e no futuro com o Brexit. A Europa está hoje mais só que nunca mas os cidadãos não o sabem! A europa não obstante é a melhor solução e nós não sabemos explicá-lo. A globalização ensina-nos que a europa hoje é inevitável a única alternativa! Mas o Brexit ensina-nos também que a Europa é reversível que se pode caminhar para trás na história.(…). A Europa é a paz que veio depois do desastre da guerra. A Europa é o perdão entre Franceses e Alemães a Europa é o regresso à liberdade da Grécia, Espanha e Portugal. A Europa é a queda do muro de Berlim. A Europa é o final do comunismo a Europa é o Estado Social é a Democracia. A Europa são os direitos fundamentais, podemos viver sem tudo isso? Podemos renunciar a tudo isso por um mercado? (…) A União Europeia é a única primavera que o nosso continente viveu em toda a sua história eu sou daqueles Sr. Task que no dia em que a primeira ministra May anuncie o Brexit começarei a sonhar na manhã em que o ingleses voltem a casa”.

Todas estas questões, e suas vírgulas, são mais importantes que uma referência ou simples divagação (adianta-se, não totalmente descabida pese a forma) sobre a génese do desequilíbrio das contas públicas a sul, e a qualidade e/ou erudição, e o gosto (e sua falta), na metáfora usada pelo Sr. Djisselboem.

Confrontados com o debate político do espaço que foi a Europa, na eminência de ser accionado o artigo 50.º do tratado de Lisboa pelo Reino Unido, interessa-me pouco a questão da imputação de hábitos mais ou menos marialvas nas referidas declarações, e muito mais o que isso pode, ou não, representar naquilo que seja contrário à visão da Europa que o Sr. Pons, e muito bem, professa da falta de projecto europeu.

A Europa, a sua razão de ser e o seu futuro são realmente questões que merecem reflexão e púlpito, já o que disse o Sr. Presidente do Eurogrupo e o valor intrínseco das suas palavras, que motivam tanto debate, podemos sempre contra argumentar que estão ao mesmo nível, mas sem a mesma verve, da tirada filosófica da frase estafada de George Best quando este referia que: “Gastei muito dinheiro em copos, mulheres e carros rápidos, o resto simplesmente desperdicei-o”.

Advogado na norma8advogados
pf@norma8.pt
Escreve sem adopção das regras do acordo ortográfico
Escreve à quinta-feira