São Roque não é Rabo de Peixe mas quase podia. De uma vila à outra não vai mais que um pedaço de ilha e histórias difíceis há que chegue e sobre, a regra não muda para esta que é uma das vilas mais pobres de São Miguel, nos Açores. Aí nasceu Diogo Ledo, que acabado de aterrar no continente com Fred Cabral se apresenta como MC Swift Triigga. Diretos para o DAMAS, em Lisboa, onde esta noite abrem o primeiro dos concertos da Tremor Tour deste ano, que antes do início do festival a 4 de abril, em São Miguel, vem pôr o hip hop açoriano no mapa da música continental.
Concertos em Lisboa e no Porto com o Conjunto Corona como anfitrião, mais um em Angra do Heroísmo, na Terceira, onde são recebidos por Fugitivo. São Roque pode não ser Rabo de Peixe mas uma ilha não é nada para as rimas com que Sandro G cruzou o Atlântico na viragem do milénio, “Galinha” e “Eu Não Vou Chorar” – “Eu sou a boca das crianças, dos pequenos de Rabo de Peixe/ Aqueles que não têm nada, todo o dia levando lenha/ Aqueles que não têm comida, todo o dia na bebida/ A minha vida é maria de noite até ao dia” – e tornou-se ele o nome maior, bastião do hip hop açoriano que António Pedro Lopes, coorganizador do Tremor, foi descobrir ao Facebook e ao YouTube para pôr na edição passada num palco com nome de hashtag, #hiphopaçoriano.
“O que aconteceu no ano passado quando criámos esse palco do hip hop açoriano, com o Swift Triigga, o Fred Cabral e o RushRap [rushrap.blogspot.com] foi que se criou imenso interesse sobre o fenómeno nos Açores. Que hip hop é esse e que vozes são essas?”, recorda António Pedro Lopes que acompanha os músicos na digressão pelo continente. “Foi o único palco a que demos um nome, a tal hashtag, no sentido de criar um movimento que precisava de saltar da internet para o mundo e os concertos deles tiveram tanto impacto no festival que fez todo o sentido continuar esse trabalho de divulgação e de criação de um espaço para esta música.”
Assim saltaram estes dois MC, embaixadores do festival na edição deste ano, que decorre entre 4 e 8 de abril em São Miguel, para os palcos do continente, hoje no DAMAS, amanhã no Café au Lait, Lugar não tão estranho para Fred Cabral, criado nos arredores de Ponta Delgada pelos tios que aos 12 anos, numas férias da Costa da Caparica, lhe ofereceram o seu primeiro CD de hip hop, de um tipo de quem nunca tinha ouvido: Valete. Altura em que não faltava muito para que aparecesse Sandro G para se tornar, entre entre Rabo de Peixe e Boston, “bastião dessa ideia de hip hop feito nos Açores, viral quase pré-internet” para um género que até hoje não conseguiu encontrar um espaço no circuito comercial mas que abriu caminho para um conjunto de seguidores.
Como Swift Triigga, que chegou a viver com ele nos Estados Unidos, um de muitos, às dezenas por ilha, “criadores completamente diferentes entre si, cada um com o seu discurso e o seu modo de fazer”, descreve António Pedro Lopes, mas reunidos em torno de uma temática comum. Um fenómeno que ao mesmo tempo cresceu de forma fragmentada, Fred Cabral bem se recorda de quando há seis anos regressou aos Açores depois de uma temporada passada no Continente para “pôr a cabeça em dia”, onde descobriu que o hip hop era a solução para seguir com a vida. “Voltei à ilha com a pica toda e quando cheguei vi que não havia nada. Havia o Sandro G, mas estava nos Estados Unidos, não estava nos Açores, havia uma ou outra pessoa a produzir mas muito fechadas em casa, não divulgavam nada, então fui fazer por mim.” Tempo em que começou a gravar em casa para divulgar para chegar ao MC Ás, produtor com quem gravou a primeira mixtape, “La Revolution”, cheio de vontade de “revolucionar o rap feito na ilha”. Tempo em que andava de mochila às costas com CD’s para vender a dois euros e meio, pelas escolas, todas as escolas da ilha, junto das pessoas na rua.
“Não há nos Açores como aqui em Lisboa uma sensação de cena ou de comunidade”, diz António Pedro Lopes. “Como não há um espaço de apresentação regular onde possam ir ou dar um concerto, a cena está toda concentrada na internet”, fruto de “uma certa cultura de olhar para o hip hop como uma forma de expressão musical marginal ou uma coisa americana”. Talvez cada vez menos agora, porque depois desta injeção de hip hop açoriano que Swift Triigga e Fred Cabral trazem ao continente, estreia em Ponta Delgada, durante o festival, “AZ-RAP: Filhos do Vento”, um documentário produzido pela RedBull depois do destaque dado ao género pelo festival na edição passada. “Há uma verdadeira necessidade de oferta cultural”, sustenta António Pedro Lopes, que há muito deixou os Açores a que todos os anos regressa para dar a São Miguel mais uma edição de Tremor, que diz ter começado para ajudar a “potenciar o que é feito lá e os criadores” açorianos. “Não somos nem do rock nem do hip hop nem da música tradicional, interessa-nos trabalhar um pouco com todos. A partir do momento em que percebemos que esta era uma forma de expressão musical grande nos Açores mas no buraco da internet, tivemos que criar uma forma de a mostrar.”
Fred Cabral não acha o hip hop dos Açores tão diferente do que se faz noutras partes do país. “Sotaques diferentes há de Norte a Sul do país”, sorri. “O que falta é pessoas como aquele ali”, diz apontando para António Pedro Lopes. “Que nos ponham no sítio, que não tenham medo de projetar o que é nosso e que comecem a tentar exportar em vez de importar.”