O poder da verdade


Hoje, mais que nunca, a verdade é o melhor serviço que a imprensa tem para oferecer nestes tempos de inquietas ameaças. A sua razão de ser e missão


Martin Baron, diretor do “The Washington Post”, mantém um fio condutor, uma ideia constante em todas as conferências e entrevistas que vem realizando nos últimos meses: “A sociedade pede ao jornalismo que apenas seja aliado da verdade.”

Em concreto, Baron refere-se à presidência de Donald Trump como “uma ameaça real contra a democracia e contra a sociedade civil”. Por isso, acrescenta, “devemos esforçar-nos por fazer bem o nosso trabalho nos meios de comunicação social, contra o interesse – do executivo de Trump – em deslegitimar e desumanizar esta profissão”.

Baron sabe bem do que fala porque já travou outras batalhas contra os poderes estabelecidos, como a investigação sobre os padres pedófilos nos Estados Unidos, em que enfrentou o poderoso lobby do arcebispado católico de Boston, quando dirigia o “The Boston Globe”.

Foi precisamente o “The Washington Post” quem teve a primeira vitória de um meio de comunicação contra Donald Trump. As revelações do jornal sobre as ligações de Michael Flynn, assessor do presidente para a segurança nacional, com o embaixador da Rússia e a posterior ocultação desses factos provocaram a sua renúncia ao cargo.

Esta derrota de Trump às mãos da imprensa é particularmente importante e, nestes tempos, vai muito para além da demissão de um alto cargo. A batalha do presidente contra os meios de comunicação que não o lisonjeiem ou não se lhe submetam é feroz.

É significativo que tenha bastado apenas um dia, depois de tomar posse, para que Trump declarasse publicamente: “Estou em guerra com a imprensa. Os jornalistas são os seres mais desonestos da Terra.”

O seu braço-direito, estratega e conselheiro, o jornalista Steve Bannon, considerado pela Bloomberg o “operacional político mais perigoso da América”, um empresário ligado aos meios de comunicação social, acusado de ser um veículo incendiário de mensagens de ódio racial, disse a um jornalista do “The New York Times” que o entrevistava: “Quero que escreva isto textualmente: os meios de comunicação são o partido da oposição.”

As tentativas de desprestigiar os grupos tradicionais como o “Post”, o “Times” ou a CNN têm sido constantes neste início de mandato.

Quando o secretário para a Imprensa, Sean Spicer, afirmou que a multidão presente na cerimónia de tomada de posse tinha sido “a maior da história”, os meios de comunicação perguntaram porque tinha dito essa falsidade e a equipa de Trump respondeu que não mentia, apenas proporcionava “factos alternativos” para analisar a realidade.

É cinismo puro, mas também é a melhor descrição para o que se tem denominado como pós–verdade.

A resposta dos grandes jornais e meios tradicionais – os legacy media – perante as tentativas de desestabilização da nova administração não pode ser outra que a procura e a oferta da verdade.

É certo que o fenómeno Trump devolveu aos americanos o interesse pelos meios de comunicação mais sérios, que viram crescer a sua audiência nestes meses – o “Post” aumentou cerca de 75% as suas assinaturas o ano passado. Alguns diários instituíram normas concretas para lidar com um governo tão atípico como o de Trump,

Existem jornais que duplicaram o número de jornalistas que ficam dedicados só à informação sobre a Casa Branca e outros que prepararam equipas específicas de investigação para que os seus leitores possam ajuizar, com conhecimento de causa, os absurdos “factos alternativos” que lhes vão ser apresentados por Trump e os seus colaboradores.

Martin Baron sente necessidade de explicar em todos os seus encontros: “Os meios de comunicação não estão em guerra com o presidente de Estados Unidos. Simplesmente, tentaremos verificar as suas palavras em consequência com os seus atos e contar a verdade, sem interferências de nenhum tipo.”

Parece uma necessidade de justificar um ato natural de autodefesa. Mas não deveria ter sido sempre assim? Porque olhava o cidadão a imprensa como o quarto poder?

Porque a imprensa nunca foi para o homem trabalhador, o cidadão, sujeito e protagonista das democracias, mero atributo de consumo. Era, acima e por cima de todas as coisas, a exposição da verdade. A verdade enquanto direito universal, garantia e referência absoluta de liberdade.

Hoje, mais que nunca, a verdade é o melhor serviço que a imprensa tem para oferecer nestes tempos de inquietas ameaças. A sua razão de ser e missão.

Não só para a sociedade norte-americana preservar as suas liberdades, mas para todos nós, na defesa da democracia, ao lado da democracia, ao nosso lado. Armados da decifrada verdade que diariamente nos pode oferecer.

 

Consultor de comunicação, Escreve à quinta-feira