Cotovelites, interesses nacionais e outras coisas que tais


Uns e outros, na ânsia de quererem afirmar a sua verdade por oposição ao outro, não vislumbraram ainda quão poucochinho e insustentável é o exercício da “cotovelite”


Enquanto prossegue o emaranhado das designadas “tricas”, que em tempos idos seriam escândalos nacionais da maior gravidade, aditivados por quem agora tampona a realidade e até esboça doutrinar sobre responsabilidade em política, o país vive uma similar exaltação experienciada com a designada “saída limpa”. No passado, demorou pouco até que a euforia dos relógios em contagem decrescente e de outras festas similares deixasse a nu a fragilidade dos resultados alcançados na dívida, no défice, no emprego, e a decomposição do lixo que foi sendo colocado debaixo do tapete da sala de estar da troika. A verdade é que durante meses assistimos à euforia do governo da direita com os resultados obtidos para a “saída limpa”, acusando a oposição de dor de cotovelo e de desejar que as coisas corressem mal.

A memória é tão curta que não tem extensão para estar presente nos espíritos de sinal contrário que exultam com os resultados das esquerdas na concretização do que dizem ser um caminho alternativo ao percorrido entre 2011 e 2015. Tal como na parte final desse passado, agora, é quem está no poder que acusa a direita, na oposição, de dor de cotovelo, de desdenhar o caminho e os resultados. Uns e outros, na ânsia de quererem afirmar a sua verdade por oposição ao outro, não vislumbraram ainda quão poucochinho e insustentável é o exercício da “cotovelite”. É que, como diziam no futebol, até pode ser uma marca que vende muito, mas os resultados são demasiado fraquinhos para tanta conversa.

E depois há a perceção, essa ciência dos estados de alma que entusiasma ou deprime o pagode.

Persiste uma perceção negativa dos autarcas e das autarquias locais mas, enquanto a dívida dos municípios diminuiu 800 milhões de euros em 2016, fixando-se nos 4,9 mil milhões de euros, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) estima que a dívida pública em percentagem do produto interno bruto tenha subido para os 130,2%, com grande contributo da administração central. E não estão contabilizados os expedientes dos pagamentos diferidos para o ano seguinte ou não faturados no ano do gasto.

Insiste-se em desbragadas euforias com sondagens e afins quando, em cada eleição, estas provam que a sua fiabilidade já teve melhores dias, por falta de sinceridade das respostas dos entrevistados ou pelas metodologias seguidas. Veja-se como, num ápice, o ministro mais popular, nas Finanças, está convertido em saco de boxe, e o ministro menos popular, na Economia, apresenta um crescimento acima do esperado.

Nas redes sociais parece perceciona–se que participação cívica e política é mandar uns bitaites, replicar argumentos soprados a metro e replicar notícias falsas, distorcidas ou de arquivo como se fossem de hoje. O comodismo do enter nem se dá ao trabalho de fazer uma pesquisa que qualifique a produção ou a reprodução. É seguir a onda, impulsionada por maniqueísmos de conveniência que contam sempre com a opacidade, a falta de escrutínio e as convicções em função das conveniências. O problema das redes e do digital, para quem tudo aposta na falta de memória, na ausência de escrutínio ou na ardilosa lábia em função das circunstâncias, é que quase tudo deixa rasto.

Uma manifestação de memória e visualizamos que o mesmo “interesse nacional” que serviu para o atual Presidente da República fundamentar o aconchego à continuidade do ministro das Finanças esteve presente nas posições do anterior inquilino do Palácio de Belém para acolitar boa parte das opções políticas de austeridade e de cortes cegos dos governos PSD/CDS e da maioria parlamentar desse tempo. Algumas acabaram por ser confirmadas como estando eivadas de inconstitucionalidades, estas, à medida de uma solução concreta e opaca, tiveram a sua confirmação na colocação de condições para a aceitação da função, mais do que confirmadas pelo ato da nomeação da personagem. E sabendo-se da existência de mensagens e sms trocados entre Centeno e Domingues, o que sabe o Presidente da República que a maioria no parlamento quis esconder?

É a memória que classifica como ridícula a posição do Presidente da República de considerar como “muito bom” os 84,5% dos direitos de voto do grupo financeiro catalão CaixaBank no Banco BPI, quando, em 12 de março de 2016, há menos de um ano, um semanário fazia manchete com “Marcelo quer travar domínio espanhol na banca” e os 5% do Sabadell no BCP eram um cenário a evitar.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, e até os humores da maioria com o Presidente da República parecem estar a mudar. Como se não tivesse sido sempre evidente a insustentabilidade temporal de uma parceria de egos e formas de fazer política em disputa de mercado eleitoral, alheadas de senso político, de respeito pela separação de poderes e de convergência na desconstrução do ambiente político anterior. Encheram o balão, agora…

É de interesse nacional, como membros de uma comunidade, sermos exigentes com os políticos e política, exigirmos a explicação das opções e dos resultados e gerarmos a capacidade de depurar as informações, as intoxicações e as efabulações.

 

NOTAS FINAIS

Cotovelada. O abandono escolar precoce subiu em 2016, depois de dez anos a descer.

Dor de cotovelo. A agitação política territorial do PCP está a ganhar um novo fôlego com o aeroporto do Montijo e as contestações locais às insuficiências do Orçamento do Estado que aprovaram em Lisboa. Com promessa de lugares, a municipalização da Carris deixou de ser tema.

Acotovelar. Sem a atenção que merece dos poderes centrais, o Porto, como outros territórios nacionais, está a fazer o seu caminho de afirmação como destino com capacidade de atração.

Militante do Partido Socialista, Escreve à quinta-feira


Cotovelites, interesses nacionais e outras coisas que tais


Uns e outros, na ânsia de quererem afirmar a sua verdade por oposição ao outro, não vislumbraram ainda quão poucochinho e insustentável é o exercício da “cotovelite”


Enquanto prossegue o emaranhado das designadas “tricas”, que em tempos idos seriam escândalos nacionais da maior gravidade, aditivados por quem agora tampona a realidade e até esboça doutrinar sobre responsabilidade em política, o país vive uma similar exaltação experienciada com a designada “saída limpa”. No passado, demorou pouco até que a euforia dos relógios em contagem decrescente e de outras festas similares deixasse a nu a fragilidade dos resultados alcançados na dívida, no défice, no emprego, e a decomposição do lixo que foi sendo colocado debaixo do tapete da sala de estar da troika. A verdade é que durante meses assistimos à euforia do governo da direita com os resultados obtidos para a “saída limpa”, acusando a oposição de dor de cotovelo e de desejar que as coisas corressem mal.

A memória é tão curta que não tem extensão para estar presente nos espíritos de sinal contrário que exultam com os resultados das esquerdas na concretização do que dizem ser um caminho alternativo ao percorrido entre 2011 e 2015. Tal como na parte final desse passado, agora, é quem está no poder que acusa a direita, na oposição, de dor de cotovelo, de desdenhar o caminho e os resultados. Uns e outros, na ânsia de quererem afirmar a sua verdade por oposição ao outro, não vislumbraram ainda quão poucochinho e insustentável é o exercício da “cotovelite”. É que, como diziam no futebol, até pode ser uma marca que vende muito, mas os resultados são demasiado fraquinhos para tanta conversa.

E depois há a perceção, essa ciência dos estados de alma que entusiasma ou deprime o pagode.

Persiste uma perceção negativa dos autarcas e das autarquias locais mas, enquanto a dívida dos municípios diminuiu 800 milhões de euros em 2016, fixando-se nos 4,9 mil milhões de euros, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) estima que a dívida pública em percentagem do produto interno bruto tenha subido para os 130,2%, com grande contributo da administração central. E não estão contabilizados os expedientes dos pagamentos diferidos para o ano seguinte ou não faturados no ano do gasto.

Insiste-se em desbragadas euforias com sondagens e afins quando, em cada eleição, estas provam que a sua fiabilidade já teve melhores dias, por falta de sinceridade das respostas dos entrevistados ou pelas metodologias seguidas. Veja-se como, num ápice, o ministro mais popular, nas Finanças, está convertido em saco de boxe, e o ministro menos popular, na Economia, apresenta um crescimento acima do esperado.

Nas redes sociais parece perceciona–se que participação cívica e política é mandar uns bitaites, replicar argumentos soprados a metro e replicar notícias falsas, distorcidas ou de arquivo como se fossem de hoje. O comodismo do enter nem se dá ao trabalho de fazer uma pesquisa que qualifique a produção ou a reprodução. É seguir a onda, impulsionada por maniqueísmos de conveniência que contam sempre com a opacidade, a falta de escrutínio e as convicções em função das conveniências. O problema das redes e do digital, para quem tudo aposta na falta de memória, na ausência de escrutínio ou na ardilosa lábia em função das circunstâncias, é que quase tudo deixa rasto.

Uma manifestação de memória e visualizamos que o mesmo “interesse nacional” que serviu para o atual Presidente da República fundamentar o aconchego à continuidade do ministro das Finanças esteve presente nas posições do anterior inquilino do Palácio de Belém para acolitar boa parte das opções políticas de austeridade e de cortes cegos dos governos PSD/CDS e da maioria parlamentar desse tempo. Algumas acabaram por ser confirmadas como estando eivadas de inconstitucionalidades, estas, à medida de uma solução concreta e opaca, tiveram a sua confirmação na colocação de condições para a aceitação da função, mais do que confirmadas pelo ato da nomeação da personagem. E sabendo-se da existência de mensagens e sms trocados entre Centeno e Domingues, o que sabe o Presidente da República que a maioria no parlamento quis esconder?

É a memória que classifica como ridícula a posição do Presidente da República de considerar como “muito bom” os 84,5% dos direitos de voto do grupo financeiro catalão CaixaBank no Banco BPI, quando, em 12 de março de 2016, há menos de um ano, um semanário fazia manchete com “Marcelo quer travar domínio espanhol na banca” e os 5% do Sabadell no BCP eram um cenário a evitar.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, e até os humores da maioria com o Presidente da República parecem estar a mudar. Como se não tivesse sido sempre evidente a insustentabilidade temporal de uma parceria de egos e formas de fazer política em disputa de mercado eleitoral, alheadas de senso político, de respeito pela separação de poderes e de convergência na desconstrução do ambiente político anterior. Encheram o balão, agora…

É de interesse nacional, como membros de uma comunidade, sermos exigentes com os políticos e política, exigirmos a explicação das opções e dos resultados e gerarmos a capacidade de depurar as informações, as intoxicações e as efabulações.

 

NOTAS FINAIS

Cotovelada. O abandono escolar precoce subiu em 2016, depois de dez anos a descer.

Dor de cotovelo. A agitação política territorial do PCP está a ganhar um novo fôlego com o aeroporto do Montijo e as contestações locais às insuficiências do Orçamento do Estado que aprovaram em Lisboa. Com promessa de lugares, a municipalização da Carris deixou de ser tema.

Acotovelar. Sem a atenção que merece dos poderes centrais, o Porto, como outros territórios nacionais, está a fazer o seu caminho de afirmação como destino com capacidade de atração.

Militante do Partido Socialista, Escreve à quinta-feira